Queria Estar Lendo 11/01/2021
Resenha: O Impulso
O Impulso é o primeiro livro de Ashley Audrain, com publicação para o dia 20 de janeiro pela editora Paralela. O livro é uma jornada pela maternidade, dos danos da glamorização, depressão pós-parto e a forma de lidar com a realidade, até o abandono afetivo e os questionamentos sobre natureza versos criação. Uma obra perturbadora, sincera e impossível de não se deixar abalar.
Blythe não teve um infância fácil. Marcada pela frieza e o distanciamento emocional da mãe, ela se sente pressionada a dar ao marido a família perfeita que ele tanto queria, mesmo com suas ressalvas devido a sua própria criação.
Assim, Blythe e Fox se casam logo após a faculdade e, algum tempo depois, ela engravida do primeiro filho. A gravidez é tranquila e Blythe passa a imaginar o tipo de mãe que seria, uma vez que sempre ouviu coisas maravilhosas sobre a experiência - embora a dela própria, como filha, tenha sido terrível e as palavras de sua mãe, que por sua vez sofreu com a própria mãe, sobre como as mulheres de sua família são diferentes das outras, a assombram.
No entanto, quando Violet, sua primeira filha chega, a experiência é o completo oposto do que Blythe esperava. O vínculo que achou que criaria instantaneamente com ela é inexiste, a depressão pós-parto aparece e a falta de apoio emocional das pessoas a sua volta faz com que ela se sinta inadequada.
Ainda assim, tentando ser a mãe perfeita que o marido espera que ela seja, Blythe guarda para si todas as suas dúvidas, temores e desencanto sobre a maternidade. Especialmente porque, quando toca no assunto, é taxada de exagerada pelo marido.
Com o passar do tempo, Blythe se sente cada vez mais distante da própria filha, cujo vínculo com o pai só cresce. Além disso, ela passa a notar um comportamento estranho em Violet, mas ela parece ser a única a perceber. No entanto, tudo muda quando Sam chega. O segundo filho de Blythe entrega uma experiência de maternidade completamente diferente,
Ela finalmente encontra o vínculo que procurava, de ser a mãe que gostaria de ser desde o começo. Sam rapidamente se transforma no centro do mundo de Blythe - até que um acidente bizarro o arranca de seus braços e destrói sua família.
O Impulso é escrito como se fosse um livro - ou uma carta - que Blythe escreve ao ex-marido, Fox, onde expõe tudo que sentiu durante o seu relacionamento. Desde que passaram a morar juntos até o dia em que ele foi embora. Junto a isso, ela conta sobre a vida de sua mãe, Cecília, e sua avó, Etta. Assim, ela traça uma linha entre o comportamento das mulheres de sua vida e o seu próprio, questionando também o comportamento da filha.
Enquanto Blythe se abre para o ex, ela conta a sua versão dos fatos. A pressão para ser a mãe perfeita, o sentimento de inadequação quando Violet nasceu, a forma como se sentia pressionada a ser a mãe perfeita, como nunca encontrou alguém com quem pudesse falar honestamente sobre as suas experiências, sobre a forma como sua identidade e tudo que ela era passou a ser resumida a uma coisa: mãe.
Em O Impulso, Ashley Audrain discute uma maternidade real, cheia de medos e receios e tabus, deixando claro a necessidade de desromantizar a experiência e mostrando como a glamurização afeta mental e emocionalmente as mães, que se sentem erradas ou problemáticas por não performarem a maternidade como a sociedade espera ou não se sentirem como "devem".
Além disso, o livro também discute se certos comportamentos podem ser ensinados ou são parte da natureza das pessoas. Blythe cresceu em um lar bastante problemático, afetivamente abandonada pela mãe que, por sua vez, foi abusada pela própria mãe, que sofria de depressão - e provavelmente outros transtornos mentais.
Isso faz com que ela se questione se passou o comportamento adiante para Violet. Se os acessos de ira da garota, a personalidade fria e o distanciamento da mãe foram comportamento ensinados, causados pela negligência emocional de Blythe nos seus primeiros anos de vida, ou se é algo mais profundo, que já nasceu com ela.
Enquanto lia O Impulso, não consegui deixar de compará-lo com Precisamos falar sobre Kevin. Embora, nesse caso, eu só tenha assistido ao filme, a história também retrata uma mãe tendo de encarar o fato de que criou um filho capaz de uma atrocidade - muito como Blythe.
Embora possamos duvidar das ações de Violet, uma vez que Blythe não é, necessariamente, uma narradora confiável e coisas como trauma e choque podem afetar a forma como ela se lembra dos eventos, o sentimento que eu tive ao ler a história dela foi muito similar ao de assistir a história de Eva.
etem em quem elas são como pessoas e mães.
Um ponto, aliás, que me pegou muito com esse livro, foi o abandono emocional sofrido pela Blythe durante o período de puerpério. Qualquer pessoa que já passou por isso - ou acompanhou de perto uma mãe durante os três primeiros meses de vida dos bebês - sabe como é um período completamente louco, frágil e desesperador. Especialmente para mães de primeira viagem.
E me doeu muito ver como Blythe teve que enfrentá-lo praticamente sozinha. Mesmo com a ajuda de uma enfermeira durante o primeiro mês, todo mundo esperava que Blythe simplesmente assumisse as rédeas da situação sem qualquer problema. Que desse conta de tudo sozinha. Sem nem considerar que ela precisava de apoio na lida com o bebê e também de atenção médica.
O Impulso mostra o quão problemático é o mito do "instinto materno", que nos faz acreditar que a gente já nasce sabendo o que fazer - e ignora a explosão hormonal, as demandas de um recém-nascido e o baque emocional e mental que isso causa nas pessoas que passam pela experiência.
Me doeu ainda mais ver como isso era perpetuado por todas as mulheres com quem Blythe se deparava, como se admitir que a maternidade não fosse a melhor coisa do mundo fosse lhe dar imediatamente um selo de pior mãe do mundo. Ou, ainda, ignorando que cada pessoa vai ter uma experiência e é necessário ter mais empatia.
E eu nem vou entrar no mérito do gaslight que o Fax fazia com a Blythe, ignorando as preocupações dela a cerca do comportamento da Violet e insistinto que a filha não precisava de ajuda, apenas Blythe. Chamando-a de exagerada. Cobrando dela atitudes mais maternais ou apontando como ela não estava performando o papel de mãe como deveria. Até porque o Fox é um grandíssimo babaca que eu odeio do fundo da alma.
No fim, O Impulso é um relato forte e angustiante sobre pressão social, abandono emocional e o perigo de cultivar tabus.
Apesar das mais de 300 páginas, também foi uma leitura bem rápida. Como os capítulos são curtos, a leitura flui muito tranquilamente. Além disso, o tema é instigante e faz com que a gente siga querendo ler cada vez mais, se perguntando se Blythe é mesmo exagerada, se a frieza de Violet é consequência dos traumas na primeira infância, quais os eventos que transformaram as mulheres da vida de Blythe?
O Impulso foi minha última leitura de 2020 e fiquei muito feliz com isso. É definitivamente um livro que eu recomendo, apesar de não revolucionar o gênero e dos gatilhos emocionais. Especialmente para exercitar a empatia no que diz respeito a experiências diferentes das nossas.
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