Mary Manzolli 23/08/2021
Me surpreendi
Lançado em abril deste ano, Baixo esplendor é um romance policial, ambientado na São Paulo, dos anos 70, período brutal da ditadura militar. Miguel é um agente da inteligência da polícia civil que se infiltra em uma quadrilha de roubo de carga. Ganhando a confiança de Ingo, o chefe da quadrilha, Miguel se encontra frente à oportunidade de finalizar com muito exito a operação mais importante da sua vida.
O que Miguel não contava era que, ao ser apresentado à irmã de Ingo, Nádia, uma atração mútua ocorreria entre eles de forma muito intensa. Acreditando que não teria problemas para romper com Nádia no momento oportuno, Miguel se deixa envolver, estabelecendo um relacionamento, altamente, erótico e emocional com a irmã do criminoso, mas nem tudo sai como o esperado e Miguel se apaixona por Nádia.
Marçal Aquino consegue, nesta obra, prender a atenção do leitor de forma muito eficaz, uma vez que, iniciadas as sequencias de acontecimentos, fica muito difícil encontrar distrações para abandonar a leitura.
A viagem no tempo é uma atração a parte pois nos insere nos anos 70 através de detalhes na narrativa, de um tempo em que circulam Gordinis, Aero Willys, Corcéis e Opalas; Mazzaropi faz sucesso nos cinemas; Love me or leave me alone embala as noites nas casas noturnas e as Frenéticas imperam na TV; ao mesmo tempo o país sofre com um período de asfixiante repressão política. Embora o momento político seja apresentado apenas como pano de fundo para a estória, existem momentos em que a narrativa acerca da brutalidade das torturas, da truculência e corrupção do Estado, são colocadas de forma perturbadora e muitas vezes mais violentas do que àquelas realizadas pelos criminosos comuns.
A linha temporal se alterna entre presente e passado, sem prévio aviso, muitas vezes dentro de um mesmo capítulo e talvez possa causar alguma confusão para leitores menos atentos, porém na minha percepção, a trama bem escrita, o domínio da cena e os fatos amarrados de forma coesa, fazem com que as alternâncias de tempo tornem tudo ainda mais interessante e misterioso, permitindo que o autor controle as informações a nós passadas, nos mantendo sempre curiosos sobre os acontecimentos.
Uma leitura leve e agradável, aparentemente, despretensiosa, visando apenas nos dar o prazer do encantamento com a estória, mas é aí que nos enganamos pois nas entrelinhas somos confrontados com a face humana das personagens que, desafiando todos os esteriótipos, expõem suas falhas, contradições, medos e dúvidas, abrindo importantes reflexões sobre as mais variadas formas de ambições e como a história e vivência de cada pessoa podem levar por caminhos distintos e impensáveis.