Lígia Mussi 18/03/2024
Alguma vez chegaram a pensar que a poesia podia ter forma tão concreta?
Esse é o tipo de livro que gruda em você, fica para sempre, não há caminho de volta. Em 200 páginas, Camila conta ao leitor um pouco da vida das travestis do Parque Sarmiento, em Córdoba, Argentina. Com carinho, nos apresenta Tia Encarna, uma mulher forte e protetora, uma referência e também um porto seguro para o grupo de travestis que rondam o Parque e que chegam até lá por algum motivo.
Particularmente, o livro prova que é mesmo impossível "se colocar no lugar do outro", mas que é, sim, possível olhar pelo buraco da fechadura do outro, com empatia, e entender que o mundo vai muito além daquilo que somos capazes de imaginar.
O livro é um grito, de festa e fúria que há em ser travesti, e também de esperança: "você tem o direito de ser feliz. A possibilidade de ser feliz também existe". Camila recusa-se a se conformar com aquilo que sempre ouviu de deu pai "Um dia vão bater nessa porta para me avisar que te encontraram morta, jogada numa vala". E, assim, nos apresenta pessoas reais, com todas as suas delícias e idiossincrasias, e que são invisíveis e sem valor (no mais das vezes) no mundo que conhecemos, com todas as suas regras, hipocrisias e medo, sobretudo medo do diferente.
Uma verdadeira poesia, que nasce do sofrimento e da luta pelo pertencimento, amor, dignidade. Uma das melhores leituras de 2024.