Raquel 15/06/2022 “É tão dificil imaginar futuros!"”“As pessoas vão embora, e isso é uma realidade”. Essa frase na abertura do livro já indica que essa é uma história sobre perdas e o estar sozinho, mas desde o início eu torci para que falasse também sobre se encontrar e de estar junto.
Na primeira parte do livro acompanhamos Regina, uma mulher de 40 anos, diabética, que não tem propósito na vida e vive de bicos, que constantemente relembra de pessoas que partiram (“as pessoas vão embora, e isso é uma realidade.”). A mãe a abandonou na infância, fugindo com um circo, e o pai morreu anos depois remoendo a dor por ter sido abandonado pela esposa. Ela busca maneiras de se encaixar/relacionar, mas sem sucesso: com Eugênia e Denise, casal que a adota após a morte do pai; com Aline, irmã adotiva; com Paula, sua ex-namorada; com a gata, Paranóia. Apesar de todas as dificuldades, Regina ainda sente que pode ajudar e dá abrigo a uma moradora de rua. Enquanto isso, o mundo está caótico, prestes a colapsar por várias questões políticas e ambientais: ilhas de lixo, agrotóxicos acabando com a vida, secas, incêndios, migrações em massa, violência, pobreza e fome.
Nessa parte achei super interessante o recurso usado pela autora de usar a última palavra de uma capitulo como o título do próximo. Isso faz com que os capítulos sejam interligados e você queira continuar a ler. Além disso, se intercalam capítulos que falam da vida de Regina no presente com capítulos que falam do passado, do que aconteceu com Lupe, sua mãe, depois que ela fugiu com o circo.
Na segunda parte os capítulos são curtos, com notícias verídicas que nos mostram os acontecimentos que levaram ao colapso do mundo.
Na terceira parte, uma amiga encontra Regina no meio dos escombros da cidade após o colapso e ela tem uma nova chance de se encaixar no mundo.
Muita gente classifica como distopia, mas o que nos amedronta mesmo nessa história é a familiaridade com o mundo real. O mundo em que Regina vive, num futuro próximo, é muito parecido com nosso mundo de hoje. Será que caminhamos para o mesmo colapso mundial???? Será que "é tão dificil imaginar futuros"?
Algumas observações sobre a história:
- antes de qualquer catástrofe natural, o mundo já está em colapso: colapso das instituições e do meio ambiente, crescente violência, escassez dos recursos alimentares e, sobretudo, colapso das relações interpessoais e da vida em comunidade. Uma das personagens aponta que nós seremos extintos, mas o mundo continua.
- as coisas vão acontecendo, as pessoas acompanham o relógio da catástrofe e se indignam nas redes sociais. Mas ninguém mexe um dedo, ninguém muda nada, as pessoas só vão acompanhando e indo. A história fala sobre a nossa inércia frente ao que está bem claro: acabando comida, diminuindo água, os ricos mantendo seu padrão enquanto os pobres vivem em cidades-lixão. Tudo parece normal.... E é nessa falta de reação que o universo que nos circula se enfraquece e começa a ruir.
- achei interessante como a autora relacionou mãe e filha: nas duas personagens há uma busca pela liberdade, por ser uma mulher selvagem – no sentido de não-domesticada, de não-obediência aos papéis pré-definidos. Guadalupe, a mãe, encantada com a Monga, fugiu com o circo (A única foto que Regina tem dela, a traz vestida com o corpo da Monga, segurando a cabeça na mão, sorrindo junto de sua trupe). Essa fantasia também se torna uma possibilidade de fuga para Regina: quando se torna camgirl, a cabeça de Monga é parte essencial para a existência de Divaine, sua nova persona em performances eróticas na internet. A grande diferença é que Lupe foi em busca daquilo que queria, enquanto Regina se acomodou em seu mundo e nem conseguia identificar o que desejava.
- o fim das abelhas é um dos sinais mais contundentes de que a natureza não vai bem, mas é também o fim de uma vida em sociedade que tem como prerrogativa o bem comum. Claro, é mais fácil render-se à inércia e aceitar que não há mais nada o que fazer, aceitar a situação como normal. Acho que a autora vê uma possibilidade de reverter essa extinção de sentimentos e humanidade, uma chance de redenção para nossa sociedade, que, talvez, esteja no comportamento das abelhas: se nos tornarmos enxame, nos unirmos em torno de um objetivo comum, de um verdadeiro senso de comunidade.
Gostei muito e acho que vale a pena ser lido!!