Toni 16/03/2023
Leituras de 2022
Sou uma tola por te querer [2022]
Camila Sosa Villada (Argentina, 1982-)
Tusquets, 2022, 208 p.
Trad. Joca Reiners Terron
Na Flip deste ano, assisti a Camila Sosa em três mesas distintas e em todas elas questões sobre o realismo mágico vieram à tona, ao ponto da escritora comentar sobre o estranhamento que lhe causava a insistência com que jornalistas, críticos e leitores no Brasil associavam aquele rótulo ao romance “Las malas”. Com muita modéstia e outro tanto de acidez, Villada respondeu que "não escreve realismo mágico, mas ficção-científica pobre”. Sem perder de vista essa resposta deliciosa, os 9 contos de “Sou uma tola por te querer” talvez representem uma oportunidade para se pensar sua prosa através de outras chaves mais complexas, como sua verve irônica, além, claro, da busca pela exploração dos limites e da inusitada versatilidade que formas mais breves também podem proporcionar.
O conto epônimo, baseado em um episódio da biografia de Billie Holliday é, de longe, meu favorito da coletânea (que está cheia de pontos altos). Aqui, Villada faz valer de uma fabulação que atravessa o fato histórico e lhe enche de um caráter mítico mais potente que o factual puro e simples, sempre sem qualquer condescendência essencialista. Há contos distópicos, anedóticos, históricos, realistas, irônicos, de terror social ou psíquico, maravilhosos (em muitos sentidos, como em “A casa da compaixão”) e de muitas travestis — com uma única concessão à autobiografia, o conto “Obrigada, Defunta Correa”.
Mas a maior qualidade desta coletânea talvez esteja no fato de que os contos nunca permanecem os mesmos em relação àquilo que eram quando tem início a leitura. Há sempre alguma violência que tira personagens, leitores e a própria narrativa de seu rumo: dado este – a violência – sempre presente, mas que não reduz as existências ficcionais a meras vítimas impotentes. Assim, as personagens dos contos de Villada seguem os passos das travestis do Parque Sarmiento: são mágicas, trambiqueiras, violentas, carinhosas, vingativas e exemplares. Não brotam de maniqueísmos nem buscam sínteses, mas reclamam uma vida narrada de forma plena, sem filtros higienizadores.