Sra.Flowers 25/01/2024
Yellowface – Um dos livros mais inteligentes e instigantes
Uma narradora pouco confiável, é com Juniper Hayward Song que fazemos a trajetoria por essa história. Yellowface é quase como um manuscrito, um relato que é contado pelo ponto de vista da nossa protagonista, quase como se esse fosse o seu livro relatando toda a verdade.
Vamos aos fatos: este livro relata a história de Juniper Hayward Song e Athena Liu, a primeira é uma autora branca que teve pouco sucesso na sua carreira, o seu primeiro livro não vendeu bem e desde então ela fica buscando estratégias para conseguir emplacar uma história no mercado. A outra é uma autora amarela, que tudo o que já publicou estourou no mercado editorial. Athena é Best Seller e em suas histórias acaba tratando sobre minorias.
As duas se conheceram na faculdade e desde então mantém algum contato, não são melhores amigas, mas por serem extremamente solitárias acabam mantendo um relacionamento. Até que um dia Athena Liu acaba falecendo em seu apartamento, enquanto June Song estava fazendo uma visita. Antes da amiga falecer Athena revela que tinha finalizado o seu último livro, desta forma June acaba surrupiando o manuscrito e decide que irá publicá-lo em seu nome.
Athena tem todo um processo de escrita que já não é muito popular neste momento que a tecnologia reina. A autora escreve as suas histórias em cadernos, à mão. Não revela absolutamente nada sobre o que será a próxima história ou quando ela será publicada e é por esses pontos mais misteriosos e analógicos que June acaba se aproveitando para roubar a história de Athena, fazer as edições necessárias e publicá-la sem deixar muitos rastros.
Ao longo da trama vamos vendo June se aproveitar do suposto luto, para se manter em evidência até que o seu livro seja publicado. A história batizada como “The Last Front” acaba caindo nas graças do mercado, June é convidada para várias palestras, acaba realizando sessões de autógrafos e tem várias resenhas e comentários publicados sobre a sua história.
No entanto, em um momento June é surpreendida com acusações de ter roubado o livro de Athena e a nossa narradora relata a enchorrada de comentários negativos e especulações que começam a surgir.
June entra em parafuso, tentando se apegar que a decisão tomada sobre a publicação do livro foi a melhor atitude já tomada. Além disso, ela sempre deixa bem claro que todo o que ela queria era a atenção e estar em evidência, sendo conhecida por várias pessoas e deixando alguma marca no mundo.
A motivação de June para todas as atitudes que ela toma ao longo da trama, são movidas pela inveja e a importância que Athena ganhou, enquanto ela, uma autora branca não teve as mesmas oportunidades.
Durante toda a trama June acaba se contradizendo, justamente não se tornando uma narradora confiável. Em um momento da história, June tenta até mesmo culpar Athena por não ter conseguido ter o mesmo sucesso, pois ela afirma que a amiga transformou June em uma história, se aproveitando de uma ferida da amiga para fazer uma história que acabou contribuindo para o início do reconhecimento de Athena.
Em mais alguns trechos, June acaba tentando dar ao leitor uma visão do quanto Athena é uma pessoa que não merecia toda a atenção que lhe era oferecida. June explora justamente esse lado reservado de Athena para mostrar o quanto ela não ajudava a comunidade que a mesma estava inserida e do quanto ela se apoderava de dores de outras pessoas para estar sempre por cima.
O livro acaba deixando o leitor em conflito, pois é uma história bem amarrada. Ao longo da trama R. F. Kuang deixa June muito atraente e é possível até se apegar a personagem e sentir alguma empatia. Kuang acaba explorando ao longo de todo o livro, algo que é muito mencionado como o “pacto da branquitude” e que sempre existe o benefício da dúvida para pessoas brancas quando elas têm atitudes controversas.
Para o leitor que é mais inserido no mercado editorial e sabe de algumas práticas, o livro se torna ainda mais interessante. Acabei fazendo algumas anotações por todo o livro. Em um momento que June acaba se envolvendo em um caso de plágio, fiquei me perguntando se hoje em dia as editoras não utilizavam alguma espécie de software para identificar algum plágio ou o nível de ‘compatibilidade’ que um livro tem com outro já publicado, tentando evitar problemas até mesmo para a editora.
Yellowface é um livro extremamente instigante, que acaba explorando muito bem essa questão de plágio, apropriação cultura e discute vários temas que sempre acabam surgindo na bolha literária. June acaba se questionando sobre a necessidade de um autor publicar livros que fazem apenas parte da sua bolha e o que seria apropriação cultural na literatura. Um autor branco poderia escrever sobre outra cultura? Poderia falar de temas que ele não está inserido? Qual é o limite?
Como mencionei, a história é um prato cheio quando falamos dos bastidores do mercado editorial. Do quanto existem algumas penelinhas e de como o mercado funciona quando ele deseja lançar um autor e chamar a atenção para um nome que é uma aposta naquele mercado.
O livro também tem uma relação bem instigante com a internet, como June passa a sofrer vários ataques, a história também acaba chamando a atenção para “quando você sai das suas redes sociais, aquilo ainda vai te afetar?”. Kuang trás um tema muito atual, discutindo essa reação em cadeia na Internet e do poder do cancelamento. Alguém que é cancelado nas redes, sofre as mesmas consequências na vida real? Recebe os mesmos comentários?
Este foi o meu primeiro contato com um livro da autora, acabei ficando bem instigada e sei que ela já publicou Poppy War (A Guerra da Papoula) e Babel. Fiquei instigada em ler os livros dela de fantasia e conhecer mais da escrita da Kuan.
Yellowface será publicado no Brasil em 2024, depois que os outros livros da autora ganharam o mercado interno. Espero que esse livro acabe trazendo boas discussões e acredito que ele é muito rico para fazer parte de um clube do livro e promover debate, não é à toa que Yelloewface foi escolhido para fazer parte do clube do livro da Reese Witherspoon. Esse foi um dos motivos para adquirir o livro e adicionar as minhas leituras, pois por meio da Intrinseca já tive contato com outras histórias trabalhadas neste clube.
Para quem gosta de ler em inglês, achei o livro bem tranquilo, recomendo fazer a leitura em inglês mesmo, a história é gostosa e acaba fluindo bem.
Fiquei super feliz de ter adquirido esse livro, a diagramação é espetacular, o acabamento é perfeito e a história obviamente é um prato cheio para várias discussões e reflexão. Muito legal ver que ao longo da trama de um tema que é leve, a autora consegue explorar outros assuntos que são relevantes e estimula o leitor a pensar.
Sobre o final, não é um final esperado, mas é o livro merecia dada a sua carga e estimula a nossa imaginação a se questionar o que realmente aconteceu com June e as consequências dos seus atos.
Foi meu primeiro livro de 2024, mas era uma história que estava no meu radar desde o seu lançamento em 2023.