Ladyce 30/12/2020
Durante os meses de reclusão social por causa da pandemia, meu marido se tornou fã de filmes leves, comédias românticas. Por isso mesmo conversamos sobre melhores scripts do gênero, concluindo que Richard Curtis talvez seja o detentor do melhor script de comédia romântica, com o filme "Um lugar chamado Notting Hill", de 1999. É difícil escrever algo romântico, contemporâneo, sem cair no óbvio, sem sentimentalismo, com personagens interessantes e tridimensionais e no caso deste filme, com cenas inesperadas e extremamente engraçadas.
Essa é entrada pela porta dos fundos, reconheço, para minha avaliação de "A caderneta de endereços vermelha", de Sofia Lundberg, traduzido no Brasil por Cláudio Carina, que peca justamente pelo oposto. Apesar de ter uma ideia repleta de possibilidades para a exploração de personagens fora do comum, que poderia ter sido bastante rica, esse livro fica aquém das possibilidades.
Sofia Lundberg cai então no excessivo sentimentalismo, na ausência de um mínimo de credibilidade e nos dá a sensação de ter primado por escrever um best-seller, não escondendo a intenção de se firmar no gosto do público com passagens ou frases de efeito que se retiradas do contexto parecerem profundas e prontas para serem repetidas nas redes sociais: “Eu desejo a você... Muito sol para iluminar sua vida, muita chuva para apreciar o sol... Muita alegria para fortalecer sua alma, muita dor para apreciar os pequenos momentos de felicidade da vida, muitos encontros para você poder dizer adeus...” [41][342] ou “O maior prazer na vida é poder expressar livremente a própria opinião sem receber nada além do amor em troca, mesmo quando as opiniões divergem.” [292] Isso certamente me tornou avessa à narrativa da autora.
Trata-se da história de uma mulher que está na nona década de vida. Teve vida rica em experiências interessantes, viajando e trabalhando fora de seu país de origem. Apaixona-se por um homem, que também tem uma vida encantada, rico se passando por pobre. Ambos se dizem apaixonados um pelo outro. Mas a vida é feita de desencontros. A vida deles inteira é feita de desencontros.
Esse tipo de desencontro só existe (principalmente agora, com a facilidade de comunicação que temos) se nenhum dos dois envolvidos estiver verdadeiramente interessado no outro. Se houver interesse, por mais difícil que seja, há de haver uma maneira de se procurar e se encontrar, como acontece no script de Um lugar chamado Notting Hill, onde diversos obstáculos atravessando continentes são superados. Causas para desencontros irão sempre existir. É a derrubada dos obstáculos ao amor que torna uma vida comum, romântica. É a busca incessante do amor incendiando o coração, que transforma uma história comum em trama romântica, desde os tempos dos romances de cavalaria. Mas A caderneta de endereços vermelha mostra dois personagens para quem os obstáculos são grandes demais e nenhum dos protagonistas interessado em dar mais de si para ir ao encontro do outro. Essa é a grande falha narrativa de Sofia Lundberg. Há muitos altos e baixos, muita repetição. É obra para corações românticos sem discernimento crítico.