Dhiego Morais 12/09/2020Adultos (ou quase isso)Já segurava o celular há mais de quinze minutos, o dedo indicador sobrevoando rente a tela iluminada do aparelho; um comentário já escrito e reescrito mais de uma vez, embora não publicado. A hesitação em publicar a mensagem era enorme, mas não uma novidade, afinal, para ela, o ato de ser social e virtualmente ativa tomava muito de sua própria coragem, muito de si mesma. Como poderia saber o que a pessoa do outro lado pensaria daquele comentário de tão poucos caracteres? Se ela pudesse antecipar a sua reação, talvez se tranquilizasse melhor. Entre o ato de publicar e apagar o comentário, tudo e todos a sua volta perdiam qualquer importância. Nesse momento interminável, era só ela e a tela do celular.
Adultos é a nova aposta da escritora Emma Jane Unsworth, após o sucesso de Animals (2014), adaptado para o cinema em 2019. Entre o sucesso e as loucuras de uma vida extremamente atribulada, Emma brinda os seus leitores com um romance absolutamente atual, no qual o cerne da história gira em torno da adrenalina e ansiedade dos relacionamentos e da obsessão pelas redes sociais.
“Posto a foto. A espera começa. É como aquele enigma da árvore caindo na floresta vazia. Se não houver ninguém lá, será que a queda produz algum som? Se você posta alguma coisa nas redes sociais e ninguém curte, será que você existe?”
Jenny McLaine tem 35 anos e escreve para a The Foof, uma revista online especializada no universo feminino. Aparentemente descolada, dona de sua própria casa e em um relacionamento sério e duradouro com Art, um fotógrafo famoso, nossa protagonista parece viver ao mesmo tempo em duas realidades diferentes, mas que se misturam frequentemente: a vida social e a vida virtual de Jenny.
Acredito que Jenny seja a representação da realidade de muitas pessoas mundo afora. Embora ela aparente ser mais uma mulher dona de seu próprio destino, segura de si e, sobretudo, empoderada, símbolo do sucesso estadunidense, o leitor não tarda a perceber – enquanto lê – uma série de ondas problemáticas envolvendo a vida de Jenny. De uma adulta insegura e, alguns momentos, infantilizada por suas atitudes até a figura obcecada pelas redes sociais e pelas opiniões de seus seguidores virtuais; Jenny é o espelho de uma sociedade movida pela sede insaciável por poucos caracteres e pelo desejo de ser continuamente seguido, curtido, de estar nos holofotes positivos dos comentários.
Por meio de uma narrativa descompromissada e mais próxima da oralidade, Emma Jane Unsworth guia os seus leitores por capítulos inovadores, mais curtos e representativos do nosso próprio cotidiano: são e-mails e rascunhos, mensagens eletrônicas trocadas e até mesmo capítulos de poucas frases, quase cuspidos do nosso inconsciente. Embora pareça pouco tradicional, a narrativa não se torna desconfortável, mas sim atribui mais velocidade e fluidez ao texto, de modo geral.
Em sua rotina off-line, Jenny se divide entre a angústia de manter as palavras certas nas pontas dos dedos em todas as suas redes sociais e entre a sua obsessão por uma influencer em específico: Suzy Brambles. Ao que parece, a opinião de Suzy é lei para a ansiosa Jenny McLaine.
Quando suas atitudes viciosas infiltram-se e passam a corroer os seus relacionamentos – com seu namorado, com sua família, seu trabalho e suas amizades –, Jenny precisa repensar sua vida, enquanto reaprende a conviver com a mãe, uma médium, e lida com o seu passado intrincado e seu futuro incerto.
Adultos é uma sátira interessante sobre a vida contemporânea e o ritmo frenético das grandes cidades, que tencionam relações e alavancam o processo de distanciamento entre as pessoas, vinculando-as viciosamente ao desesperado desejo por curtidas e compartilhamentos, por uma sobreposição do virtual em meio ao real.
“Por que era sempre preciso fazer a merda antes de ver as merdas mais graves que fazemos?”
Ainda em Adultos, o leitor acompanha o processo de maturidade tardio de Jenny, que submetida a uma pressão social excessiva, transforma suas relações em processos complicados, tóxicos e solitários. Jenny, assim como sua mãe e certamente assim como Art, sobressaem-se como personagens difíceis de aproximar, pouco toleráveis e problemáticos por sua própria natureza – embora não menos reais, pois, afinal, não há dúvidas de que existem pessoas exatamente assim.
É inquestionável a força e a importância do tema abordado em Adultos, principalmente por ser atual, por se encaixar muito bem a nossa realidade. Todavia, não poderia deixar de comentar a dificuldade crescente de me conectar as personagens: Jenny, apesar de ter 35 anos age na maioria das vezes como se estivesse no auge da adolescência; Art é um interesseiro do mais alto nível, comprometido apenas consigo mesmo; e a mãe de Jenny tem um passado tão complicado quanto o presente das outras duas personagens – Kelly, a amiga de Jenny surge como a única personagem agradavelmente relevante da história. Além disso, embora a narrativa seja diferenciada e os capítulos curtos deem mais fluidez ao texto de Unsworth, também conseguem desprovê-lo de toda a complexidade e profundidade que deveriam ser intrínsecos às personagens e ao enredo. Posto isso, o tema acaba por perder toda uma importância e se transforma em algo banal, fragilizado e repetitivo.
Adultos traz uma reflexão válida, ainda que não tão bem realizada sobre o abismo das vidas duplas nas quais dividimos nosso tempo: a realidade dura e o universo virtual inebriante dos compartilhamentos e curtidas. Talvez afastar-se das telas seja a melhor maneira de se desintoxicar e seguir com uma vida mais saudável.
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