Tamy.Queiroz 21/03/2018"Se você quiser justiça, terá que fazer isso com as próprias mãos. Leve para o lado pessoal. Cause o máximo de estrago que puder. deixe sua mensagem bem clara. Assim será bem mais provável que levem você a sério. De que considerem você uma pessoa perigosa."
Quellcrist Falconer, p. 176
Depois de levar mais tempo do que o esperado pra ler Carbono Alterado e sabendo que a Netflix está produzindo uma adaptação em 10 episódios que vai estrear ano que vem, eu só consigo pensar uma coisa: boa sorte.
O livro é narrado em primeira pessoa por Takeshi Kovacs, um ex-Emissário (que aqui equivale a um soldado de elite treinado para ser impiedoso), recém libertado de sua pena para investigar a morte de um executivo. Neste cenário (que foi descrito como noir mas que também pode ser chamado de cyberpunk ou distópico), as pessoas podem ter sua mente baixada para um cartucho que pode ser transferido para outro corpo. Crimes são punidos com armazenamento digital e os corpos dos criminosos, chamados de "capas", podem ser comprados e usados por outras pessoas enquanto eles cumprem suas penas.
Laurens Bancroft foi encontrado "morto" com um tiro na cabeça. Baixado para um novo corpo, ele recusa a ideia de suicídio, para desgosto da polícia local, e contrata Kovacs para descobrir o que realmente aconteceu. Essa investigação vai arrastar Kovacs numa espiral de violência, prostituição, crimes e intrigas muito mais extrema do que ele imaginava.
O protagonista do livro tem tanto carisma quanto o ator escolhido para interpretá-lo na série: nenhum. Takeshi é um sociopata altamente funcional, uma máquina de matar jogada num corpo que ele vai descobrir que não foi escolhido por acaso. No meio do caminho ele vai interagir com personagens tão ou menos carismáticos que ele, como é o caso da Miriam Bancroft. Meu deus, que mulher chata! Uma esposa troféu cruel e dissimulada que tem um relacionamento pouco saudável como marido. Além dela, temos Kristin Ortega, que começa como a policial mais mal humorada já escrita e evolui para uma versão menos mal humorada, Kadmin, o assassino mercenário treteiro, Reileen Kawahara, que sabe mais do que admite e que eu não me conformo que não vai ser interpretada pela Jessica Henwick, e o fantasma de Jimmy DeSoto, que tem o dom de aparecer quando o protagonista está mentalmente debilitado.
Na maior parte do tempo, o livro só faz sentido nas cenas de sexo, que são bem interessantes. Depois delas, graças a Zeus, o protagonista consegue se manter dentro das próprias calças (sério, são cinco menções ao próprio pênis em cento e vinte páginas!!). A segunda cena é mais bem elaborada e a conexão emocional entre os personagens é mais bem explorada.
Eu quase larguei o livro na página 159. Tem uma cena de estupro/tortura sexual extremamente desnecessária que acabou com a minha vontade de ler o resto. Então, se você tiver algum gatilho com isso, recomendo pular umas cinco páginas. Além dessa cena grotesca e descabida, tem o fato de que o protagonista é japonês/eslavo e fica preso no corpo de um cara branco. Tem tecnologia de troca de corpo? Tem. O corpo novo, ou capa, é relevante pra história? É. Mas essa relevância é mínima e não justifica o whitewashing do personagem. Faltou um leitor amigo pra dizer que esses dois pontos são problemáticos e totalmente não ok.
O livro melhora um pouco lá pelas páginas 250-300, mas não muito. Continua confuso, com uma série de termos tecnológicos que nunca são explicados, e depois de trezentas páginas você começa a não lembrar do fulaninho que foi mencionado no capítulo dois, sumiu e reapareceu agora. A edição poderia ter sido mais cuidadosa: o livro tem uma série de erros de digitação e até erros de concordância verbal! Tudo isso poderia ter sido evitado com uma revisão eficiente.
A roteirista da série foi co-autora do roteiro de Ilha do Medo, o que me dá um pouco de esperança para a adaptação. Muita coisa vai ter que ser cortada e remendada e, pelo que consta no IMDB, personagens novos foram criados para série. Eu não confio no elenco escolhido porque parece que o único ator que não foi mal escalado vai interpretar um coadjuvante por dois episódios. É torcer pro roteiro ser só inspirado no livro e não baseado.
site:
disponível em detudoumpouquinho.com