renan639 09/07/2023
A esfinge em frente ao enigma
G.H. é uma mulher que tem conforto material, até faz ocasionalmente aulas de escultura. Entretanto convive com um desconforto interior nem sempre anunciado, senão nos seus retratos, que possuem uma expressão vazia.
Após o término de um relacionamento e a saída da antiga empregada do seu apartamento, ela se confronta com esse seu abismo interior. Porém, de forma inesperada, pois era uma manhã comum e enquanto tomava café resolveu organizar e limpar seu apartamento, começando pelo quarto da empregada. Esse impulso coloca em movimento uma série de acontecimentos que a submerge em uma epifania profunda e contínua.
Primeiro encontra uma pintura feita de carvão pela última empregada em seu cômodo, depois acha uma barata dentro do guarda-roupa. Apesar de banais e cotidianos, a protagonista passa a enxergar aquele cômodo como exterior até mesmo em relação ao seu apartamento. O choque é enorme, mas é na medida em que precisa lidar com a barata que G.H. realmente mergulha nas suas reflexões.
A narrativa é um pedido de companhia, sobretudo. A G.H. do dia seguinte a estes acontecimentos precisa entender o que aconteceu consigo mesma e faz isso através da ajuda do leitor e quem ela cuidadosamente pede que "segure sua mão". Com este gesto delicado ela nos leva para o interior da sua epifania, com muitas analogias, alegorias e metáforas, na tentativa de entender esse sentimento que se apoderou dela de forma tão repentina. Entretanto, ela se permite ser preenchida pelos questionamentos e desce até o infernal, para depois subir para o divino, sem no entanto diferenciar um do outro, sem colocá-los sob um prisma moral. Antes, ela quer se livrar da própria moral.
O leitor acompanha portanto a G.H. no ato de reflexão e desconstrução de si mesma, estando de frente, entrando e passando pelo enigma. Diante da esfinge, nós também percorremos a trajetória no interior de nosso ser, sem no entanto estarmos protegidos da dificuldade desse processo. A personagem do livro atravessa esse "deserto", como ela mesma descreve, como se estivesse sendo provada: tem medo, cai, tem vertigem e até vomita. Tudo isso para conseguir limpar-se e conseguir a confiança para se viver.
É uma narrativa extraordinária que destrói tudo que construimos e nos faz perguntar sobre o amor, nossa condição, os limites da linguagem e qual o sentido da paixão.