Tinho Silva (@cafecomlivrossp) 08/04/2020
A Resposta - Kathryn Stockett
A história em “A Resposta” é ambientada em Jackson, Mississípi, na década de 1960. Trata-se de uma obra ficcional que utiliza fatos históricos, como a segregação racial que se instaurou nos Estados Unidos pós período escravocrata, no final do século XIX, ganhando força no século XX. Sendo o Mississípi um dos estados mais racistas da época e um dos últimos a revogar as leis de segregação racial nos EUA, os eventos narrados no livro, mesmo se tratando de uma ficção, por muitas vezes transportam o leitor para um ambiente de tensão causados pelos problemas sociais da época e tocando numa ferida que ainda é muito cara aos norte-americanos: o RACISMO.
“Pego uma xícara de café, começo a secar ela com muita força com o meu pano de prato.- Você, às vezes, deseja que seja possível... mudar as coisas? Pergunta ela (Skeeter).Eu não consigo me segurar. Olho pra cara dela. Porque essa é uma das perguntas mais idiotas que eu já ouvi na vida. Ela faz uma cara confusa, desgostosa, como quem colocou sal no café em vez de açúcar. Volto para a minha louça suja, pra ela não ver que tou revirando os olhos.” Aibileen (p.20).
O livro apresenta como protagonistas três mulheres muito diferentes entre si. A Jovem Skeeter, branca, rica, que após se formar na faculdade de jornalismo retorna a Jackson, sua cidade natal, sonhando em se tornar uma grande escritora, mas sofre com as pressões impostas pela mãe para que se case e constitua família. Temos também a Abileen, mulher negra, mais velha, muito sabia e que assim como as mulheres negras da época, se tornou empregada doméstica e serve as mulheres brancas da alta sociedade, tendo como preferência cuidar de bebês. E por fim, Minny, também negra, casada, mãe de cinco filhos e dona da personalidade mais explosiva dentre as três. Dessa união improvável, surge uma amizade forte que resulta em ações que abalam a então pacata cidade de Jackson. Em oposição a elas, temos Hilly Holbrook, antagonista da história. Mulher branca, casada e da alta sociedade que por possuir uma posição privilegiada na comunidade local, se utiliza disso para manipular e influenciar a todos que com ela convivem.
“...E não tou dizendo que as reuniões com a dona Skeeter são engraçadas. Toda vez que a gente se reúne, eu reclamo. Resmungo. Fico irritada e tenho um ataque. Mas o negócio é o seguinte: eu gosto de contar as minhas histórias. Sinto que tou fazendo alguma coisa a respeito. Quando vou embora, o concreto no meu peito se afrouxou, derreteu, então consigo respirar por alguns dias.” Minny (p.286).
O enredo começa a se desenrolar quando Hilly quer lançar um projeto de lei polêmico, que prevê a construção de banheiros separados nas casas das patroas para as “pessoas de cor”, alegando que as mesmas possuíam doenças “diferentes” e sem essa separação as famílias para quem as empregadas domésticas trabalhavam corriam risco de serem contaminadas também. Concomitante a isso, Minny ao ser demitida pela socialite, resolve dar o troco fazendo a coisa “terrível” deixando-a mais furiosa ainda. Hilly por sua vez se vinga da pior forma, espalhando para a cidade que o real de motivo da demissão de Minny, foi por pegá-la roubando a sua prataria, o que acaba com todas as chances da moça de conseguir um novo emprego. E é nesse cenário de injustiças causadas principalmente pela “diferença” de raças que Skeeter resolve, por meio de uma ideia muito simples, porém ousada e perigosa, questionar e denunciar o contexto em que vivem.
“Vozes altas se ouvem na rua, e nossos olhos se lançam na direção da janela. Ficamos quietas, imóveis. O que aconteceria se um branco me descobrisse ali num sábado a noite, falando com Aibileen, vestida com suas roupas normais? Será que chamariam a polícia, para relatar uma reunião suspeita? Subitamente, tenho certeza de que seria isso que aconteceria. Seríamos presas, porque é isso que eles fazem. Eles nos acusariam de violação integracionista...” Skeeter (p.191).
Agora vamos aos fatos. Os temas retratados no livro perpassam por várias esferas sociais, nós temos desde o racismo, até a violência doméstica. É uma obra de ficção que utiliza fatos históricos para contar uma história, mas, e isso precisa ser pontuado, é uma escritora branca falando na voz de pessoas negras, do mesmo jeito que deu certo, poderia ter sido desastroso trazendo consequências negativas para a carreira de escritora da Kathryn Stockett, eu penso que talvez, esse tenha sido o motivo da obra ter sido rejeitada diversas vezes antes de ser publicada.
Continuando, no texto, o racismo aparece a todo momento, seja nas atitudes das pessoas brancas ou no relato das mulheres negras. Creio que essa repetição se apresenta como forma a nos fazer refletir, apesar da história se passar na década de 1960. Nos últimos anos, acompanhamos pela mídia inúmeros casos de racismo, reacendendo ainda mais forte a necessidade de debater sobre o assunto e isso vem como ponto muito positivo na obra. Outro tema interessante, e fica evidenciado nas figuras de Skeeter e Hilly, é o papel da mulher na sociedade, que aparece em total desconstrução na postura da protagonista, que ao contrario das amigas, preferiu ir à faculdade ao invés de casar-se e cuidar do lar.
Algumas temáticas também surgem e por falta de espaço acabam ficando em segundo plano. Exemplo, a violência doméstica sofrida por Minny, o fato de mães brancas deixarem as crianças ao cuidado das mulheres negras, e essas deixarem os seus filhos com outrem pela necessidade de trabalhar para se manter, é um pouco duro você pensar nessa realidade, mas que não é algo muito distante do que vivemos. No geral é uma obra bem gostosa de se ler, eu esperava um final diferente, mas... e ao longo de quase 600 páginas, a trama conseguiu me surpreender, fui transportado literalmente para Jackson dos anos 60 e me fez refletir sobre alguns aspectos da sociedade atual.
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