Clube do Farol 12/10/2022
Resenha por Elis Finco @efinco
Claro Enigma é dividido em 6 partes, advêm da maturidade dos quase 50 anos e não existe uma ruptura com o que veio antes e sim um aprimoramento do tempo, do gênio e dos anos. No entanto, preciso deixar claro que os temas se encontram e se separam em todas as divisões, que na escrita os sentimentos se completam.
Os recursos da poesia moderna passam a conviver com formas fixas, entre elas os sonetos, e com esquemas de rimas e metros clássicos na língua portuguesa, como a redondilha, o decassílabo e o alexandrino. O tom jocoso, muitas vezes presente nos livros anteriores, se torna aqui predominantemente grave e elevado.
Eu escolhi ler cada parte ao longo de um dia, e fui assim aproveitando as pausas para como quem conversa com um sábio amigo.
Entre Lobo e Cão começa me dando a sensação de cansaço, não da vida, mas das certezas que advém com ela, um certo deixar estar, escolher quais lutas valem a batalha. Contudo, não senti que fosse pessimismo e derrota. Não, longe disso.
É um se dar conta da vida e de sua finitude, da brevidade dos dias e o anseio por viver mais, fazer mais e sentir que a cada instante tem-se menos. Daquilo que não foi e ainda nos aflige por não ter sido, a perda do filho que não nasceu. A saudade, ausência, sonhos e as realidades.
À medida que fui lendo, notei que o clima parecia querer fazer parte da leitura. Não eram dias de sol, mas solenes dias nublados e sóbrios dias de chuva.
Na segunda parte me lembrou a estátua de Drummond, aquela sentada de costas para o mar a compor o cenário, como a esperar alguém para uma conversa, ou a pensar em versos não escritos, na poesia e talvez até mesmo no poeta.
"Viver é colecionar mortes" choradas e pranteadas pelos vivos. As referências me levaram a crer que chorara aqui a morte do amigo Mário de Andrade, em QUINTANA'S BAR vemos seu nome. Enquanto no poema de nome ANIVERSÁRIO uma alusão a Macunaíma. Andrade, que partiu em fevereiro de 1945, teve seu legado chorado em letras e rimado em palavras, pelo amigo de longa data outro Andrade, Drummond. Achei terna e justa a homenagem.
De muito é sabido que podemos deixar um lugar sem que este lugar nos deixe. Mas que fica nas lembranças, memórias e saudades. Na pena de Drummond, essas ficaram em poesia, arte e coisa concreta nas casas e construções, o efeito do tempo, às anotações e observações das mudanças e das coisas que permanecem resistindo.
Não apenas o lugar, mas muito mais um olhar para a história que se fez na flora, no lugar, nas pessoas. Na história que foi e ainda é, mas que com certeza só alguém com sangue mineiro saberia contar e escrever.
Os versos em Claro Enigma são de autor consagrado, homem experimentado pelo tempo e pela vida. Alguém que na roda do tempo já provou do doce e do fel. Por isso mesmo mais difícil de se ler.
Qual o momento em que para de pensar na vida e começa a se indagar sobre a própria morte? O que deixamos e a quem será deixado, seja um bem, seja o legado de toda nossa vida. Ah, a vida que já nasce com a certeza da morte.
Cada verso me colocou entre o hoje e a infinidade, porque me sentia lendo e pensando que o futuro nada mais é que o presente que ainda não aconteceu e que, em algum momento, a morte seja para nós, o agora.
O que seria morrer sem se dar conta do existir? O que é existência? É preciso ter a consciência dela para de fato ser? As poesias aqui perguntam e indagam, criam não apenas respostas, mas novas perguntas e indicações e ficam as voltas com o "E se...?".
E na última parte temos o poema A Mesa, que fala de família, gerações e parentes. Dos dias que passam e das coisas que ficam e das que se vão. Dos que se foram, de quem partiu e voltou e de quem chegou. Da vida íntima de um lar que acontece a mesa, do dia a dia e das festas. A celebração mais verdadeira da vida como ela é.
Claro que existem outras poesias que não nomeei aqui, porém entendo que devem ser descobertas por quem lê as delícias que essa antologia reserva.
Nesta edição, como na anterior, a capa e os extras mantêm a estética da coleção. Igualmente contem a Cronologia na época do Lançamento (1948-1954), que nos apresenta não apenas Drummond (CDA), mas também o Brasil, a Literatura Nacional e o mundo há época, uma preciosidade que adorna a joia que é esta edição, um verdadeiro presente aos leitores. E também as: Bibliografia do autor, Bibliografia Seleta e Índice dos primeiros versos.
site: http://www.clubedofarol.com/2022/09/resenha-claro-enigma.html