spoiler visualizarLeonardo 31/10/2014
De fato um enigma
Em Claro Enigma temos um Drummond maduro, complexo, chegado em compor versos que digam mais ou digam menos... tudo dependerá do leitor.
Nada neste livro é por acaso.
Mesmo o título já serve pra explicar o que você verá a seguir: um grande enigma. Os versos são montados de um modo tal que uma mensagem maior pode ser lida em cada um, na sequência dos mesmos e até mesmo lido no que você já leu nesta sua vida!
Drummond é profundo, rico em contexto, e sua poesia é capaz de passar uma mensagem pessoal, bem como falar para uma época, para uma nação.
Um trecho:
"Como esses primitivos que carregam por toda parte o maxilar inferior de seus mortos,
assim te levo comigo, tarde de maio,
quando, ao rubor dos incêndios que consumiam a terra,
outra chama, não perceptível, e tão mais devastadora,
surdamente lavrava sob meus traços cômicos,
e uma a uma, disjecta membra, deixava ainda palpitantes
e condenadas, no solo ardente, porções de minh'alma
nunca antes nem nunca mais aferidas em sua nobreza
sem fruto.
Mas os primitivos imploram à relíquia saúde e chuva,
colheita, fim do inimigo, não sei que portentos.
Eu nada te peço a ti, tarde de maio,
senão que continues, no tempo e fora dele, irreversível,
sinal de derrota que se vai consumindo ao ponto de
converter-se em sinal de beleza no rosto de alguém
que, precisamente, volve o rosto, e passa...
Outono é a estação em que ocorrem tais crises,
e em maio, tantas vezes, morremos."
Drummond brinca e injeta ambiguidades de um modo emocional e ao mesmo tempo cirúrgico.
Neste livro você encontrará formas livres, sonetos, odes de ar épico, tudo montado de modo a remeter o leitor às distintas eras e sensações pelas quais Drummond passou por sua vida até então.
De um modo direto, é uma leitura que eu recomendo e que até arrisco dizer que você irá apreciar. Coloco este livro junto dos livros de poesia de Affonso Romano Sant'Anna, por ter aqui uma poesia mais que emocional, mas filosófica e questionadora também.