Roberto Soares
09/09/2020"Senhores, um romance é um espelho que é levado por uma grande estrada. Umas vezes ele reflete para os nossos olhos o azul dos céus, e outras, a lama da estrada. E ao homem que carrega o espelho nas costas vós acusareis de imoral! O espelho reflete a lama e vós acusais o espelho! Acusai antes a estrada em que está o lodaçal, e mais ainda o inspetor das estradas que deixa a água estagnar-se e formar-se o charco."
Julien Sorel é hoje um dos meus personagens favoritos. Ponto. Existe algo por trás daquela hiprocrisia na sua conduta e calculismo no seu caráter que me impulsionou a gostar dele. A hipocrisia da sociedade parisiense do século XIX não é diferente da hipocrisia da sociedade de hoje. Aí está uma coisa que acho que nunca vai mudar no seu cerne. Talvez porque essa eterna falsidade age visando os mesmos objetivos: status, dinheiro e poder sobre coisas e pessoas. E o preço que se paga por tal empreitada é quase sempre o mesmo: uma grave perda de introspecção. E, no meu modo de ver, é justamente essa capacidade de instrospecção a maior conquista de um ser humano. É o que dá originalidade ao caráter, singularidade à existência, alimento à alma; no fim, é pelo que se vale a pena viver. Mas Julien é diferente: ele é falso com os falsos, mas acho que tem algo de verdadeiro consigo mesmo. Oculto, mas há. No fundo ele sabe que está caminhando rumo a uma tragédia. Ele segue o caminho da paixão, do pathos, em todos os seus sentidos, e, como sabemos, esse caminho só pode levar a um lugar... E foi nesse lugar que, no fim, Julien conseguiu ser Napoleão Bonaparte. Foi lá que ele experimentou, tarde demais, o que é um real homem de sucesso.