Fernanda631 05/07/2023
Desespero
Desespero foi escrito por Stephen King.
O livro mais religioso de King. Nele, a questão de Deus, como ele age, ajuda, ama e é cruel está presente cada vez mais, conforme avançamos as páginas. É bem mais forte do que em A Dança da Morte, onde Abagail, uma das personagens, precisa ouvir a voz de Deus para tomar as atitudes corretas.
“Desespero” é um romance no clássico estilo de Stephen King: narrativa envolvente, personagens muito bem construídas – com sólidas e profundas histórias, idas e vindas em vários flashbacks, a luta do bem contra o mal e questões trabalhadas nas histórias que vão muito além do terror que dá o nome ao principal gênero da sua escrita. É um livro volumoso, seguindo também o estilo de King em escrever longas histórias, no qual se constrói todo um pano de fundo significativo para que o enredo se desenvolva de maneira própria, ou seja, há muito do universo do autor nesse livro, tendo-se aqui uma entidade tão importante e complexa quanto aquela que se tem em “It”. Uma história de peso
Desespero não é somente o sentimento constante no livro, mas o nome de uma cidade. A cidade está próxima à Rodovia 50, conhecida como a rodovia mais deserta dos Estados Unidos.
Nela, viajam Peter e Mary que estão em férias. Acabaram de visitar a irmã de Peter e agora viajam pela rodovia 50 onde a paisagem é o deserto e a companhia são os rolos de palha pelo caminho. Deparam-se então com mais uma companhia inusitada e um tanto assustadora. É um policial. Ele pede para que Peter encoste. Essa cena é carregada de suspense, daquelas que nos deixa tensa. King trabalhou muito bem nela. O policial tem quase dois metros de altura e eles sentem medo dele. Não medo de uma multa, mas de que ele simplesmente peça a Peter para descer do carro, o mate e depois estupre sua mulher. Porém, eles acabam rindo de si mesmos com a grande paranóia até que o policial encontra algo no carro dos dois, algo que não era pra estar lá. Um pacote de drogas. Cortesia da irmã de Peter. Foram presos e agora o policial é realmente assustador.
Peter e Mary são levados para a cidade onde o policial trabalha, Desespero. E se deparam com uma cidade fantasma. Conhecemos as primeiras vítimas de Collie, que endoidou e matou a maioria das pessoas de Desespero.
Em seguida, a família Carver que também viajava de férias, têm os quatro pneus do trailer furados e um policial enorme aparece para ajudar e os leva gentilmente para a cidade mais próxima.
A última vítima que Collie encontra na rodovia 50 é Johnny, um velho escritor que vivia lembrando a si mesmo que ganhara o Prêmio Nacional do Livro. Ele está viajando em uma moto buscando inspiração para seu novo romance. Quando estaciona na rodovia 50 para urinar, se depara com um policial muito alto, que o adverte. Incrivelmente Johnny é preso por carregar algo em sua moto. Um pacote de drogas, muito parecido com o encontrado no carro de Peter.
Conhecemos também Steve, que trabalha para Johnny e o seguia em um furgão para quando o grande escritor precisasse de algo e Tom, também preso como os demais, mas não veio da estrada, é um dos poucos sobreviventes de Desespero.
Todos estão mortos – exceto pelo policial e pelo pequeno grupo que luta para sobreviver. Todos estão desorientados e sem saber o que aconteceu e o que se passa na cidade. O único que parece ter algum tipo de orientação é o menino que ora a Deus com frequência, obtendo alguma espécie claridade que permite auxiliar o grupo em seus próximos passos. Mesmo após ter visto sua irmã ser morta pelo policial – que a jogou da escada – e sua mãe ter sido levada para algum lugar desconhecido, o garoto segue resoluto em ouvir a voz de Deus em suas preces e seguir conforme o apontamento que lhe é dado.
A personagem principal do livro é David, filho de Ralph Carver. É ele que tem o contato com Deus, é por causa dele que conseguem escapar da prisão. Ele é o “maldito menino rezador”.
Tudo gira em volta de David e no que Deus pede a ele para fazer. A súbita loucura de Collie se deve a algo desenterrado na Mina do China. Algo que já foi descoberto e causou muitas outras mortes. Algo que deveria ter se mantido enterrado.
Alguma coisa aconteceu na cidade de Desespero e ninguém sabe o que foi – essa coisa ainda permanece ali. Algo a ver com uma antiga mina na qual morreram vários chineses soterrados há alguns anos. Tak parece ser um algo além de uma palavra que era dita pelo policial, pois está presente nos animais caninos, nos urubus, nos escorpiões, nas cobras, nas aranhas e nos outros bichos que estão presentes aos momentos no local e parecem obedecer a algum tipo de ordem superior. É sobre Tak e como resolver o problema da cidade que o grupo voltará a sua atenção enquanto luta pela própria sobrevivência.
O livro não me causou medo, mas o suspense me deixou tensa várias vezes. Como eu disse, King trata da crença em Deus como algo essencial para a sobrevivência. Isso não me incomodou. Ele não fala de pecados e obrigações, constantes nas religiões. Denota a parte que somente crer e ter fé é o suficiente. Me perguntei se caso algum ateu o lesse isso não se tornaria enfadonho.
O final denota fortemente a questão mostrada no livro: Deus pode ser cruel. Mas de qualquer forma, Ele também é amor.
As várias páginas do livro não foram escritas a toa. Há algo que funda e ao mesmo tempo permeia a história. É a luta do bem contra o mal – que além de se tratar do cenário do enredo, erige o universo no qual o livro se situa de forma muito rica. Deus, como o bem, e Tak – uma espécie de entidade -, como o mal, travam uma peculiar batalha que dependerá das escolhas e ações daquele pequeno grupo. Pessoas reunidas com personalidades diferentes tem de se entender verdadeiramente para que o verdadeiro problema de Desespero possa ser compreendido e o mal efetivamente enfrentado.