Acad. Literária 05/03/2015
RESENHA - Espíritos de Gelo
Um homem acorda acorrentado numa sala de tortura sem se lembrar de nada.
Um baixinho com uma camiseta do Black Sabbath o interroga, enquanto os capangas – “dois sujeitos vestidos com roupas de couro apertadas, compradas em algum sex shop de baixa qualidade para simular o mais próximo possível de um clube sadomasoquista” – o auxiliam. Eles querem que o homem conte o que aconteceu – detalhadamente – antes de chegar até ali. Querem que ele explique como foi parar dentro de uma banheira cheia de gelo.
O problema é que seu inconsciente está bloqueando essas informações por causa de um trauma.
Raphael Draccon apresenta nessa obra outra faceta de sua escrita. Aqui não há seres fantásticos, nem mundo dos sonhos, nem outras dimensões, nem nada que lembre uma narrativa fantástica. Em uma escrita mais pesada, cheia de cenas de sexo, violência e Rock and Roll (não necessariamente nessa ordem), Draccon conta a história de um cara, cujo nome não sabemos (nem ele) que acorda em uma banheira de gelo sem se lembrar de nada do que aconteceu antes daquilo. Como se aquilo não bastasse, havia um rasgo em seu abdômen. E para piorar ainda mais, três homens – um baixinho vestido uma blusa do Black Sabbath, um alto e gordo e um baixo e magrelo – estavam “ajudando-o” a se lembrar como havia acabado ali. Como forma de apoio, os três iniciam uma série de torturas em meio a indagações com a tese de que o tratamento para que ele se lembre o que aconteceu seria dar a ele um segundo choque emocional.
O personagem principal da trama passa por sessões de tortura. Uma pior que a outra para destravar a mente. Em meio às lembranças ele vai ligando os pontos e recordando os caminhos que o levaram a acordar em uma banheira de gelo. Aos poucos vamos descobrindo sua história e conhecendo novos personagens na trama, todos apresentados pelo ponto de vista do protagonista.
O livro é cheio de referências. Amantes do Rock clássico podem se encontrar nos diálogos entre prisioneiro e carrasco. Teorias da conspiração, satanismo, lendas urbanas sobre astros do Rock. Também há referências da cultura Nerd como Street Fighter, X-Men e Mortal Kombat, entre muitos outros. Se você não é um entendido em Rock, ao ler esse livro deve ficar com o Google aberto, pois no meio dos diálogos eles citam muitos nomes de bandas e astros, teorias sobre os mesmos e quem não conhece ou reconhece pode ficar perdido.
O Livro fala de relacionamento. Fala de ciúmes, traição, amor e sexo. Muito sexo. O protagonista em determinado momento da trama revela que havia se iniciado em um Templo, onde as pessoas eram ensinadas a desenvolver técnicas para expandir a concepção do sexo como sendo uma ferramenta de ascensão e não somente de prazer carnal e procriação. Talvez, leitores não acostumados com descrições e linguagens mais pesadas possam se incomodar com essa passagem do livro. Os atos são feitos no meio de um círculo de iniciados e ainda há troca de casais, enquanto um “guru do sexo” recita o que parece ser um “Manual do sexo tântrico”.
“As mãos do casal nu enfim começaram a tocar em partes mais interessantes. Os Seios dela foram os primeiros, mas não com a intenção de estimular os mamilos. Até isso era tocado por ele da mesma forma como as outras partes dela; a impressão passada era a de que o rapaz sentia tanto prazer em tocar nos seios dela quanto havia sentido antes em tocá-la nos ombros. Não havia direcionamento. Era como se ele ou ela sentissem todo o corpo do outro de uma forma inteira e mais completa, se eu não estiver aqui tentando inventar uma desculpa para um cara preferir os ombros aos seios de uma mulher”. Pág 71
A obra é narrada em primeira pessoa, pelo ponto de vista do protagonista da trama. A fluidez, apesar de ser tranquila de ler, é um tanto pesada. As descrições e falas são bombardeadas de agressões, palavrões, sarcasmos e narrativas sobre sexo. Tudo isso se encaixa na trama, mas um leitor que não gosta de uma leitura mais crua, talvez não curta o livro. A leitura não é para qualquer um, pois mexe com muitos tabus da sociedade. Os personagens são apresentados à medida que o protagonista vai se lembrando do que aconteceu. A história fica alternando entre passado e presente. Entre o que o personagem fez e o cativeiro no qual está preso. A revisão está boa, quase nenhum erro, já a formatação, por ser um livro pequeno, a editora optou por colocar uma fonte enorme, com certeza para fazer o livro ficar maior. A capa é bem elaborada e chama bastante atenção: uma mão ensanguentada contra um vidro.
Raphael Draccon é romancista, roteirista e editor. Com a marca de 200 mil exemplares, é o autor mais jovem a assinar com os braços nacionais de duas das maiores holdings editoriais do mundo. Além de integrante do RapaduraCast, é roteirista premiado pela American Screenwriter Association e chegou ao quarto lugar dos mais vendidos no México pela Random House. Responsável pela indicação da obra de George R.R. Martin, "Crônicas de Gelo & Fogo", é hoje autor da editora Rocco, estreando o novo selo de fantasia da empresa. O autor é um dos escritores mais influentes do mercado literário brasileiro e já conquistou uma verdadeira legião de leitores dentro e fora do país. Algumas de suas obras já foram publicadas em Portugal e no México, onde entrou para a lista dos mais vendidos.
Recomendo essa obra para quem gosta de histórias densas, que exploram um lado mais obscuro da literatura. Por essa obra não ter um toque fantasioso em sua forma mais feérica, talvez esse não seja um livro prazeroso para os fãs de Dragões de Éter, sua trilogia fantástica de estreia. Pessoas que tenham algum problema com palavrões, violência, tortura, etc. devem pensar duas vezes antes de folhear as páginas. Nem preciso dizer sobre as crianças. Para aqueles que se interessam por lendas urbanas, rock e pitadas fortes de sexo, esse é um bom livro para conhecer um outro lado do escritor das referências.
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