As meninas

As meninas Lygia Fagundes Telles




Resenhas - As Meninas


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Júlia 06/06/2020

Nhem nhem, Lião e Ana Turva
Essa resenha contém spoilers. Contudo, não te desencorajo a lê-la: acho que nada pode te preparar o suficiente para esse livro, bem como conhecimentos prévios de fatos até decisivos da narrativa não irão atrapalhar em nada a experiência do que Lygia nos traz. Ambientado no Brasil dos anos 70, permeado pela ditadura militar, “As Meninas” nos apresenta Lorena, Lia e Ana Clara, estudantes e residentes do Pensionato Nossa Senhora de Fátima, no qual se tornam amigas e vivem vidas inicialmente pacatas. Tudo muda quando Lorena, jovem e virgem, se apaixona por um médico mais velho e casado, a quem ela chama de M. N.; quando Lia descobre a militância comunista e vê seu namorado Miguel sendo preso pela ditadura; e quando Ana Clara, com seu amante Max, entrega-se totalmente às drogas e paralisa no tempo. Dividirei a resenha em 4 seções: sobre a narrativa, sobre Lorena, sobre Lia e sobre Ana Clara.

Sobre a narrativa: O narrador é do tipo onisciente - ao mesmo tempo em que observa o desenrolar dos fatos, descreve coisas que só as meninas deveriam saber (sensações corpóreas, pensamentos, etc). Ainda assim, esse narrador não é bem intruso, e sua onisciência se manifesta apenas no presente, sem indícios de saber do futuro da narrativa. Os pontos de vista variam entre Lorena, Lia, Ana Clara e o narrador, e as mudanças são muito sutis: cabe ao leitor muita atenção para percebê-las. A história pode parecer lenta e sem muita ação, e Lygia parece saber dessa lentidão e, em minha opinião, pega emprestada a voz de Lia para demonstrar sua intencionalidade com o ritmo: “Ação, Lena, que contemplação já tivemos demais” (p. 164). Contudo, na página 252, Lorena nos diz, a respeito de uma visita à mãe, que “tive a noite toda para ir e nao fui porque esperava um telefonema de M. N.” e com isso conclui que cada uma das 3 tem algo que paralisa suas vidas. A narrativa arrasta com elas, embebidas em drogas e traumas, ansiedade e platonismo, angústia e desejo de revolução. O tempo parece estagnado na perspectiva de Ana Clara, e a verdadeira “ação” parece começar apenas no episódio de sua morte (p. 259), algo terrível que obriga Lia e Lorena a se unirem - momento em que o narrador se faz necessário. Quando elas começam a discordar sobre o que fazer com o corpo, as primeiras pessoas surgem novamente (p. 263). Genial.

Sobre Lorena: Lorena é o otimismo irrealista. Lia se refere a ela como criancinha, e Ana Clara como “nhem nhem”. Constantemente ansiosa, esperando o telefonema de M. N. ou algo mais, Lorena ocupa a mente com barulhos (a vitrola sempre ligada), exercícios (nos momentos de tensão, ela se deita no chão e faz “bicicleta”) e arrumando tudo ao seu redor (“A desordem me deprime”, p. 155). São também essas individualidades que constituem marcas de linguagem capazes de identificar qual personagem está narrando. Lorena é a mais imaginativa - imagina tantos cenários que às vezes fica difícil saber o que aconteceu ou não. Isso gera certa dúvida quanto a histórias que ela conta sobre seu passado e sua família, e nos leva a pensar que Lena apenas imagina que M. N. gosta dela. Possui claramente muitos preconceitos (sobre o comunismo de Lia e rumores quanto à homossexualidade de Irmã Clotilde). Absorta por M. N., não consegue se envolver com os rapazes que gostam dela (Fabrizio e Guga). De certa forma, Lorena é egoísta (“só penso na minha condição”, p. 160) e sempre volta o foco de qualquer conversa para si - em vários momentos, não ouve os desabafos de Lia e começa a reclamar da indiferença de M. N. (“já falei um monte de vezes e você não ouviu” diz Lia a Lorena na p. 212). Lorena é generosa e a mais rica das 3, sempre as ajudando com dinheiro, oferecendo refeições, etc. Quando Lia anuncia que vai embora para o exterior, Lorena fica muito abalada e começa a lembrar de todas as perdas que já sofreu. A morte de Ana, por sua vez, parece despertar Lorena, e Lia diz que, naquele momento, é Lorena quem “comanda a noite” e pensou em tudo para resolver a situação (p. 269 e 271). No fim das contas, após deixarem o corpo de Ana numa praça e “consertarem” as aparências, Lorena se deita em sua banheira cheia d’água e começa a pensar nas instruções que precisa deixar para a próxima moça que virá morar no pensionato, e inconclusivamente, penso que essa foi a cena de seu suicídio.

Sobre Lia: Lia parece a mais melancólica de início, e mais racional. Guerrilheira, quer a revolução comunista e parece ser a única personagem realmente consciente do que está acontecendo no Brasil - talvez esse caráter mais consciente de Lia se manifeste na escrita do livro, mais coesa e pontuada, quando o ponto de vista é o de Lia). É através dela que temos no livro a descrição de um episódio de tortura (p. 148). Aparentemente, há certo conflito entre ela e Lorena, porque Lia não concorda com o estilo de vida contemplativo e sonhador de Lena, ao mesmo tempo que Lena não vê propósito na revolução proposta por Lia. Em certo ponto, Lia diz sobre Lorena: “Vejo-a como uma prisioneira através das grades do seu jardim. Sinto uma certa tristeza mas logo tenho vontade de rir. Pontos de vista: para ela a prisioneira não sou eu?” (p. 169). Contudo, é ajudada repetidamente por Lorena. Na página 195, Lorena cita Lia, a qual sempre repete que “o mundo do burguês é o mundo das aparências”. No fim das contas, ela e Lorena acabam mesmo fazendo tudo pelas aparências, ironicamente (p. 272). Quando Lia providencia seu passaporte e sabe que vai embora, começa a falar todas as verdades para Lorena: que M. N. não a ama coisa nenhuma e que ela precisa parar de inventar metáforas sem sentido para se convencer (p. 254 e 255).

Sobre Ana Clara: A mudança para o ponto de vista de Ana Clara é marcada por pouca ou quase nenhuma pontuação e devaneios que não possuem lógica. Ela diz estar noiva, mas está apaixonada por seu amante Maximiliano, com quem se droga constantemente. O tempo da narrativa parece estar paralisado quando o ponto de vista é o dela. Ana Clara possui memórias traumáticas, que talvez expliquem sua condição e sua repulsa pela relação sexual com os homens, por mais que sinta afeto por eles. É genial como Lygia parece “escrever devaneios aleatórios” quando se trata de Ana Clara, mas na verdade faz deles ganchos com a morte de Ana na página 259: “Tem sempre alguém me sacudindo, acorda acorda…” (p. 173) é justamente o que Lorena faz quando ela morre. Ana Clara fala de Lorena e Lia como se não fossem amigas, mas as duas reconhecem que Ana precisa de socorro e não desistem de ajudá-la. Sempre diz “pomba” como xingamento, e Lygia marca sua presença sempre dizendo que ela “enrolou no dedo um anel de cabelo”. Na página 185, Ana Clara compartilha um pensamento crítico ao desejo de Lia por liberdade, e diz que liberdade é ninguém saber o que ela tem no bolso. Isso nos dá uma pista da suposta substância que a matou.

A leitura pode ser difícil, considerando as nuances da narração, mas a experiência, por mais meticulosa que seja, é maravilhosa. Esse livro se tornou um dos meus favoritos e recomendo a todos!
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Ana Clara 15/06/2020

Um retrato de nós mesmos
Leitura obrigatória. Publicado em 1973, ?As meninas? é um retrato fiel dos costumes e valores da sociedade da época. Com uma narrativa diferente e original, Lorena, Lia e Ana Clara ganham vida a partir de arquétipos únicos e realistas. Com foco no cotidiano e nas lutas pessoais de cada uma dessas três meninas, Lygia Fagundes Telles é capaz de criar um cenário interligado, vivo e altamente tocante. Com a abordagem de assuntos do mundo jovem adulto, das dúvidas, do medo, da luta armada, da censura que o Brasil viveu na época (principalmente após o AI-5), das drogas, da família, da amizade e do amor, ?As meninas? interliga a atmosfera política e o desespero com a ingenuidade e leveza de vivências ainda frescas e juvenis. A leitura é gostosa e por muitas vezes nos faz questionar qual seria o verdadeiro propósito dessas três histórias principais. Arrisco dizer que o propósito dessas narrativas - que nos acompanham ao longo de 300 páginas - está resguardado no retrato de nossos próprios desejos mais profundos e pessoais: viver. E isso é simplesmente incrível. Livro perfeito. Nota 1000.
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Cinara... 18/06/2020

"Não sei explicar, mas todo aquele que luta com plena consciência para ajudar alguém em meio da ignorância e da miséria, todo aquele que através dos seus instrumentos de trabalho, do seu ofício der a mão ao vizinho, é santo. Os caminhos podem ser tortos, não interessa. É santo. "

Perfeito!!!!!
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Léo 24/06/2020

Delicado e complexo
Lygia Fagundes Telles possui um estilo narrativo único em As Meninas. A autora consegue, de forma delicada e profunda, transmitir o quotidiano de três garotas que vivem em São Paulo durante Ditadura Militar.

Tive dificuldades para fluir a leitura, uma vez que, no início, é difícil entrar nos fluxos de pensamentos de personagens que nos são estranhas.

O enredo é simples, mas construído com linguagem bonita e complexa.
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Rafaela.Saragiotto 30/06/2020

Amor, liberdade e revolução
?As Meninas? de Lygia Fagundes Telles (1973)
Nota: 8/10 ?

Um livro que comec?ou para mim depois que o terminei.
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O ano e? 1969. Acompanhamos alguns dias da vida de tre?s jovens universita?rias, de personalidades e histo?rias totalmente opostas, unidas por uma amizade incomum e por um mesmo lar - um pensionato de freiras.
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O ti?tulo do livro na?o poderia ser mais apropriado. Atrave?s de uma escrita primorosa, com mudanc?as su?bitas de narrador, mergulhamos nos pensamentos das meninas, em suas fragilidades e desejos ti?picos da idade.
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O livro e? corajoso ao abordar sem pudor temas do universo feminino que sa?o raramente explorados em livros atuais, quem dira? em pleno regime Me?dici. E? corajoso por conter a primeira descric?a?o expli?cita da tortura na ditadura e por colocar em foco tre?s mulheres subversivas e distoantes dos padro?es da e?poca.
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Na?o aproveitei tanto essa leitura como gostaria. Apesar de na?o ter cogitado abadona?-la, em muitos momentos a achei mac?ante e enfadonha. Mas foi um livro que, apo?s terminar, fiquei um tempo refletindo sobre sua forc?a e simbologia. Deve ser lido de cabec?a aberta, e sinto que eu talvez o tenha feito no momento errado.
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Apesar disso, sinto que Lygia conseguiu em ?As Meninas? captar a esse?ncia universal e atemporal das jovens mulheres: almas em busca de amor, liberdade e revoluc?a?o.
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Thaty 01/07/2020

Li quando era bem nova, e continua sendo um dos meus preferidos. Seja pela forma como as personagens são descritas, seja pela forma que se desenvolvem. As meninas retrata a vida de três jovens diferentes e complexas, vivendo numa época de muita repressão. Cada uma é única do seu jeito.
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Maria14065 02/07/2020

A história, por mais que narre cotidianos, é profunda e complexa. Minha leitura não fluiu de início mas quando me adaptei a narrativa dos pensamentos e compreendi o sentimentalismo que Lygia introduziu em suas personagens, não consegui largar. Não considero uma leitura fácil ou leve, mas é bonita e valiosa. Em inúmeros momentos pude encontrar meus próprios pensamentos nos de Lorena, Ana e Lia.
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Morgan 04/07/2020

No começo achei uma leitura bem difícil de se ler, não por ser chato, mas por ser confuso de quem era quem os capítulos, as vezes tinha uns diálogos que não eram diálogos, mas em si eu amei o livro.
A ousadia da autora de escrever de assuntos tão delicados em época de ditadura, e o quanto tem coisas complexas, esse livro deveria sim ser lido por muitos, mas nos 3 últimos capítulos você não consegue parar, quer ver onde vai dar, e não poderia ser diferente. Um ótimo livro falando da vida de 3 garotas/mulheres e o amadurecimento.
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Jef 14/07/2020

INESQUECÍVEL
As imagens não saem da minha cabeça e não sei quando elas irão sair ou se permaneceram eternamente junto de mim.

LEIAM, apenas LEIAM!
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Alineígena Alien 19/07/2020

LIVRO MARAVILHOSO.

O livro gira em torno de 3 amigas, moradoras de um mesmo pensionato católico. A narração são as vozes de cada uma delas alternando-se muitas vezes de repente. Em alguns momentos, um narrador em terceira pessoa costura alguns elementos da história. Essas narrações em primeira pessoa se misturam aos seus pensamentos no momento em que acontecem, sem que tenha havido um filtro, um refinamento, uma revisão. São pensamentos sempre no momento presente, puros, como se o leitor pudesse ler as suas mentes. A gramática acompanha este movimento com relação a pontuação, linguagem, interrupções de frases. Esta dinâmica das narrações ajuda a construir a personalidade de cada uma delas a ponto de conseguirmos identificar quem fala pela forma como fala, ou sobre o quê fala. Temos acesso a suas visões de mundo, suas impressões sobre as coisas e sobre cada uma das outras meninas. No meio deste fluxo de consciência, surgem muitas informações e histórias do passado, não como se elas estivessem contando uma história ou como se estivessem repassando um acontecimentos antigo na cabeça, mas sim como parte de seu raciocínio no tempo presente, como memórias que se entrelaçam aos pensamentos.
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Ana Aymoré 20/07/2020

O microcosmo de Lygia
Umberto Eco já nos alertara para o fato de que o texto literário consiste numa "máquina preguiçosa" que aguarda o seu preenchimento através da leitura. De fato, é nessa incompletude da literatura que reside aquilo que faz da nossa relação com ela algo verdadeiramente significativo, relevante, essencial e atemporal (pois, caso contrário, toda obra literária estaria tristemente encerrada ao contexto de sua produção e às intenções de seu/sua autor/a): é o ato da leitura que a põe em funcionamento, tornando inesgotáveis suas contribuições ao nosso autoconhecimento e ao conhecimento das realidades em que vivemos, a cada momento histórico.
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E por isso reler um livro é, quase sempre, uma experiência totalmente nova para um mesmo indivíduo. Voltar ao encontro e ao confronto com As meninas, de Lygia Fagundes Telles, depois de quase 30 anos, estabeleceu todo um universo de novas relações com o texto que (assumo) não serviram para esclarecê-lo (pois hoje vejo nele um enigma insolúvel que não estava na minha memória da leitura original) mas para adensá-lo: afinal, nele está posto, de forma hoje tão dolorosamente inequívoca, o próprio estatuto da verdade, bem como a integridade da experiência. O que é a alternância aparentemente caótica entre as vozes narrativas das "meninas" (que, aqui e ali apenas tentam, sem sucesso, ser objetivadas por um narrador onisciente), senão a fragilidade, a parcialidade ou a opacidade daquilo que somos como indivíduos e, por extensão, de nossa trajetória coletiva? Qual versão é verídica, qual ponto de vista - especificamente, numa referência incontornável ao que foi amputado de nossa memória coletiva na ditadura, como e onde e quantas mortes, e por quê?
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Lorena, Lia e Ana Clara representam as facetas de uma geração que sonhava com a derrubada do regime autoritário, com a liberação sexual ou com a ascensão social, mas se encontra encerrada na moldura estreita de uma ordem social que impõe sobre sua integridade e seus destinos uma pressão exorbitante. Talvez por esse motivo, entre as imagens que pontuam a narrativa, as mais recorrentes sejam de insetos, sujeitos tanto aos seus próprios instintos (de buscar, a todo custo, a luz que os queimará) quanto às ações das mãos humanas que regem sua destruição.
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Fran Piva 23/07/2020

Um livro sensível, intenso e ousado!
or meio de uma narrativa, que hora alterna primeira pessoa (sob olhar íntimo de cada menina) e terceira pessoa (as vezes nem vemos mudar as pessoas que narram), o
livro conta dois dias de três jovens universitárias e amigas, próximas, mas muito diferentes: a mais bonita e dependente química; a que se envolve com a luta armada contra a ditadura; e a jovem rica, romântica, de família tradicional. A partir da vida cotidiana dessas meninas e nas pequenas opções que costuram as suas existências, Lígia questiona a importância da liberdade como valor inquestionável, e os valores individuais pequeno-burgueses, durante o período mais duro da ditadura. Fiquei pensando como ela consegui publicar esse livro em 1973, sem ser censurado, já que no texto há claramente uma denuncia de tortura durante a ditadura?
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Mário 25/07/2020

As Meninas
Livro incrivelmente corajoso e terrivelmente sincero. A autora mergulha na pele e alma das personagens, transparecendo seus sonhos e pensamentos mais profundos e bem guardados. A leitura nos leva de forma rápida e ininterrupta ao fundo da personalidade de cada uma das meninas e, assim fazendo, ao fundo da sociedade daquela época (que permanece muito parecida com a de hoje). O maior trunfo desse livro é sua matiz atemporal. De fato, é difícil crer que esse livro tenha sido escrito há quase 50 anos, pois os temas lá tratados ainda são debatidos de forma ferrenha nos dias de hoje. Leitura espetacular e obrigatória por nos fazer lembrar e encarar a verdade dos dias da ditadura (tão mais necessário em nossos tempos de construção de uma pós-verdade negacionista).
Nota 9,5.
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