@retratodaleitora 29/08/2018ArrasadorVamos iniciar esse texto com uma frase famosa do escritor Ernest Hemingway (1899-1961) sobre a escrita: “There is nothing to writing. All you do is sit down at a typewriter and bleed.” Tudo o que lhe resta fazer, quando você senta frente a uma máquina de escrever, é sangrar. E Sylvia Plath sangra em sua escrita; sangra porque não há nada em seus textos que não carregue nem que seja um pouco de tristeza, desalento, enfermidade e tragédia, tudo o que a levou a última decisão que tomaria, e pela qual se tornaria conhecida, mais ainda que pelos seus melancólicos escritos: seu suicídio aos 30 anos de idade.
A relação conturbada com o marido infiel, o aborto que sofreu (e que é um tema recorrente em vários de seus poemas), a depressão, os conflitos na família, a morte do pai... Como não sangrar no papel todo tormento pelo qual passou? Sylvia escreveria também, em um de seus diários “let me live, love, and say it well in good sentences”. Não há dúvidas, conhecendo um pouco de sua biografia, de que ela viveu intensamente; não deveria ser uma surpresa, então, encontrar em sua poesia essa intensidade, essa vivacidade e essa inquietude presente em todos os poemas que compõem "Ariel".
Desejei esse livro por muito tempo! O título ficou um bom tempo esgotado e só agora, com uma nova edição da Verus Editora, finalmente tive a oportunidade de realizar a leitura, e da melhor forma possível quando o assunto é uma coleção de poemas: em edição bilíngue, com o texto original de um lado e a tradução (de Rodrigo Garcia Lopes e Cristina Macedo) no outro. Sempre que encontro um poema cujo texto original é em outra língua, faço uma pesquisa e questão de ler as duas versões, mesmo que não entenda aquele idioma. A forma, a cadência... Muito é perdido na tradução de poemas, como bem sabemos. Acabamos lendo a interpretação dos tradutores sobre aquele texto. E isso torna a leitura menos válida? A resposta é não, não torna a leitura menos válida, de forma alguma. É preciso entender que a tradução e a revisão de um livro, independente do gênero, enfrenta certas dificuldades, e que o poema, por possuir a forma de versos e harmonia que manifestam sentimentos e tendem a emocionar o leitor, muitas vezes não só pelas palavras, mas a forma como foram derramadas naqueles versos, o som da união entre uma e outra... é uma dificuldade ainda maior. Eu, pessoalmente, prefiro quando a tradução se mantém o mais fiel possível ao texto original, quando é possível mantendo o ritmo etc, e os tradutores de Ariel fizeram um trabalho realmente muito bom.
Não há nada como a leitura de um bom poema em certos momentos da vida.
"Ariel" teve um começo difícil, sendo publicado por Ted Hughes com algumas alterações do manuscrito original deixado por Plath em cima de sua escrivaninha no dia de sua morte, na ordem que ela queria que fosse publicada. Muitos poemas ficaram de fora dessa primeira publicação; poemas que falam da infidelidade de Ted, sobre alguns amigos e sua família e que Hughes, para "se preservar", colocou-os de lado até que, depois de sua morte, os direitos sobre as obras de Plath passaram para sua filha, Frieda Hughes, que estava mais do que disposta a reunir novamente os textos de sua mãe da forma como a mesma tinha desejado antes, respeitando a ordem dos poemas e a vontade de Sylvia.
Um dos poemas excluídos por Ted da coleção foi Mulher estéril (Barren Woman), entre muitos outros. Com a apresentação intitulada O Caso Ariel, escrita pelo Rodrigo Garcia Lopes e o prefácio de Frieda Hughes, é possível compreender mais a fundo a importância dessa publicação e, mais além, a recuperação de um documento que teve tantas alterações ao longo do tempo e que por muitos anos foi contra o que a própria escritora queria. Mesmo após sua morte, Sylvia foi calada; teve seus gritos de vingança e dor abafados em uma gaveta fechada por muito tempo. Essa leitura, tanto dos textos de apoio quanto dos poemas em si, são essenciais para um entendimento maior dessa personalidade arrasadora que foi a Sylvia Plath.
Esse é um livro muito bonito, com fac-símile dos escritos originais e, no final, a presença de diversos rascunhos do poema-título, Ariel, em diversas fases de sua "preparação" para o que conhecemos hoje.
Leitura recomendadíssima!
(Post completo com fotos da edição no link abaixo)
site:
http://umaleitoravoraz.blogspot.com/2018/08/resenha-ariel-de-sylvia-plath.html