Petrus 03/01/2016
Fantasia de anjos nunca é demais
A grande diversidade na literatura encanta a todos os tipos de públicos. Os Grandes romances, coletâneas de poemas, livros de auto-ajuda, além dos gêneros, como suspense, drama, aventura e fantasia são capazes de fascinar todos os tipos de pessoas. Eu, como exemplo disso, gosto muito de deitar em minha cama, com o livro aberto sobre o meu travesseiro e passar horas lendo um bom livro de Fantasia. Vale salientar que esse gênero é um dos que mais me agrada, pois, ele me mergulha em um mundo totalmente novo, com suas novas e exóticas possibilidades, magníficos seres e situações desafiadoras. Desde a saga do anel de J. R. R. Tolkien, passando pela minha juventude na escola de magia e bruxaria de J. K. Rowling, até o Trono de Ferro de George R. R. Martin, encanto-me sempre com essas leituras, passando horas a fio mergulhado nas palavras, no universo tão bem desenhado desses autores. Invisto sempre na compra de novos livros desse gênero porque eu os vejo como o alicerce de toda a literatura contemporânea, pois, é através deles que os jovens aprendem que a leitura é um hábito que se deve ser cultivado, e que, se não se fosse por esses livros tão deliciosos, estaríamos confinados à falta de cultura que vemos nas redes de televisão ou mesmo na grande rede de computadores. Logo, percebe-se que a minha afinidade com esse tipo de gênero é grande e que valorizo qualquer Best-seller que tenha uma certa dose de surreal em suas páginas.
E foi em uma dessas procuras por um livro de Fantasia que me encontrei com a obra de Eduardo Spohr, um brasileiro cujo sonho era ver a sua obra ser popularizada. Ele entrou na vanguarda dos livros de Fantasia do Brasil, criando um universo tão singular quanto os dos grandes nomes da literatura desse gênero. Mesmo entre seus defeitos, ele foi capaz de manter mentes concentradas em suas palavras e mundos concretizados em pensamentos.
CRÍTICA PESSOAL
Como o livro Filhos do Éden: Herdeiros de Atlântida é capaz de prender a atenção de alguém? Essa pergunta muitas vezes é questionada por aqueles que vêem a leitura de gêneros de Fantasias um tédio. Mas muitas vezes essas pessoas desconsideram o trabalho que o escritor teve ao elaborar tão vasto Universo. Desde pesquisas até conflitos constitutivos dos personagens, é inegável que a obra por completo tenha um potencial bom e duradouro.
Ao ler esse livro notei que Eduardo Spohr teve, provavelmente, um longo e árduo trabalho. Nota-se que os fatos presentes no drama sempre estão relacionados a fatos reais ou a teorias de pensadores reais. Por exemplo, as castas de anjos foram resultado de pesquisas, passando por análise de diversos teólogos, que em suas obras definiram os diversos tipos de anjos, visitando, em seguida, a Renascença e vendo a nova forma dada para os anjos, como os famosos querubins com forma de bebês, e culminando, assim, na própria formatação apresentada em suas obras. Spohr é um homem com um dom imprescindível em explicar tudo no mundo religioso e com certa lógica. Quem diria que seria possível explicar racionalmente, mesmo em uma ficção, um cenário em que o Deus hebreu era a única divindade plausível, mas que coexistia com outros deuses das mitologias da antiguidade? Ele consegue explicar tudo com uma forma suntuosa e especial. O seu gosto pela história é presente em cada capítulo, demonstrando um embasamento concreto. Nada que está ali foi criado sem um devido respaldo histórico. Até mesmo a mais fictícia situação repassa uma ligação com o passado quase inquestionável.
É normal quando se para de ler a obra de Eduardo Spohr, você ter a impressão, mesmo que vaga, de que todos aqueles acontecimentos angélicos realmente aconteceram durante a história da humanidade. Pois, considerando que realmente haja seres com poderes divinos, todos os acontecimentos históricos da antiguidade e dos que a antecedem fazem o perfeito sentido quando aplicamos o Universo de Spohr. E isso é algo que, além de fazer a pessoa pensar constantemente na história, leva o leitor a ler com o objetivo de coletar mais informações. Essa vontade causa certa obsessão por mais leitura, levando, assim, a uma vontade quase infinita de não parar de ler.
Outra característica constantemente notável, a qual leva a entender a busca por pesquisa de Spohr, é a descrição dos lugares. Nota-se que as viagens do autor ao redor do mundo estão presentes nas descrições dos lugares da trama. No capítulo 22, “Belle Époque, por exemplo, vemos que a descrição das ruas de Paris, com seus nomes e esquinas, significa que Eduardo Spohr esteve lá. É normal ter a impressão de que ele, em uma viagem à França, sentou em uma loja de café, em uma dessas ruas parisienses, e se inspirou para descrever aquele lugar no livro. Eu vou até mais longe. Imaginei-o escrevendo o capítulo, em um pedaço de papel, enquanto olhava pela janela do estabelecimento e admirava o movimento dos parisienses na rua.
Logo, nota-se que Spohr utiliza-se ao máximo de suas experiências e estudos. Tenta dissimular ficção com fatos e acaba, propositalmente ou não, levando o leitor a sentir a necessidade de terminar a leitura e ter o sentimento de “quero mais”. Algo que todo escritor procura colocar na obra, mas somente os mais habilidosos conseguem. Contudo, o que mais se destaca em sua obra vai além de todo esse cuidado com o embasamento histórico ou factício. O desenvolvimento dado aos personagens tem certa originalidade, ou, simplesmente, um acerto em suas características. Algo que se maximizam quando tratamos de não-humanos, ou anjos, bem dizendo.
O fator determinante para tornar a história interessante, em minha opinião, não são os fatos históricos explicados sobre uma ótica angélica. Spohr apresenta uma realidade que usualmente não atribuímos ao imaginário dos anjos. Ele mostra a maior antítese que envolve os anjos: a humanidade que há dentro deles. Com a leitura da obra, nota-se que os alados são mais do que simples servos de Deus, programados para servir a humanidade. São criaturas dotadas de sentimentos, tanto ruins quanto bons, tanto traiçoeiros quando benignos... E esses sentimentos podem ser classificados como tipicamente humanos. E é nesse ponto que Eduardo Spohr tem a sua sacada de mestre, ao colocar a ironia que tem nas ações dos vilões da trama. Para o Arcanjo Miguel e seus partidários, a humanidade é inferior aos angélicos, sendo a ser até uma afronta a ordem natural das coisas. Eles sentem ódio dos homens por terem os usurpado o mais alto pilar na criação de Yaweh e sentem inveja já que a humanidade recebeu a maior dádiva de todas e eles não: a alma, que faz com que, mesmo depois da morte, o ser exista pelo resto da eternidade. Logo, o fato de terem tantos sentimentos comuns aos homens os colocaria a um patamar de igualdade com o que é humano. Com isso, Miguel questiona tanto os homens, mas acaba sendo aquilo que ele repudia.
E com essa caracterização humana, a visão sobre os angélicos se transfigura, levando-nos a ver os seus questionamentos e conflitos internos com uma forma que chega até a compaixão. Afinal, os anjos seriam como os seres humanos, mas sem a esperança de algo melhor após a morte. Eles sabem que farão aquilo por toda eternidade ou até quando morrerem, significando, dessa forma, que eles são apenas peças passageiras no grande Universo. Esse questionamento é presente durante toda a trama do livro e intensificada quando Kaira reconhece a sua humanidade interior e a ver como um verdadeiro benefício, e não um fato que a levaria ao sofrimento.
Essa dor em aceitar o destino está presente no meu capítulo preferido, “Baralho de Opostos”, quando Levih falece. Antes de sua morte certa, ele fala que tudo não acontece por acaso, que tudo tem uma razão. A humanidade presente em seu coração o coloca em uma situação triste e desesperadora, mas, mesmo assim, ele vê a morte com otimismo. Mesmo sabendo que após aquilo não haverá mais nada, ele sorri e falece. A delicadeza que isso acontece, mesmo que simples, é tocante. Spohr consegue colocar o maior conflito existencial em alguém que não deveria ter conflito disso. E o coloca de tal maneira que nos leva a olhar para o nosso futuro e ter a certeza que iremos repetir as últimas palavras de Levih quando for a nossa vez: “Tudo acontece por uma razão. Que a minha seja uma centelha. Uma chama se paga, a outra se acende. Acredite no plano de Deus.”
E dessa forma, colocada tão sutilmente na história, Eduardo Spohr aproxima os personagens ao leitor. Percebe-se que acabamos presos à leitura por que nos identificamos com os personagens e sentimos compaixão com a sua condição tão determinista. Vemos a situação angélica como o reflexo de nossos medos de um fim do ser. Sentimos que os anjos são criaturas que precisam nos compreender e precisam se compreender. Algo, como já dito, difícil de entender em anjos quando ainda não se tem lido o livro Filhos do Éden: Herdeiros de Atlântida.
Considerações Finais
Para ler esse livro é necessária paciência e uma valorização aos pontos interessantes. Admito que a leitura seja cansativa para os que não estão acostumados com o gênero de Fantasia. É possível notar, durante a leitura, que o autor tem certo vício em repetir algumas informações, deixando o texto sobrecarregado. Contudo, isso não torna a leitura lenta. O desenvolvimento da história é dinâmico, com reviravoltas a cada página. Para quem gosta de receber muitas informações sobre um Universo tão interessante e sem aquela parada frustrante na ação, é uma ótima distração para se ler esporadicamente.
Herdeiros de Atlântida: Filhos do Éden torna-se mais uma obra de um autor brasileiro que merece atenção. Afinal, em meio a uma explosão de livros do gênero Fantasia na literatura estrangeira, nada seria mais bem vindo do que seres super-naturais sob uma visão tupiniquim. Eduardo Spohr conseguiu o respeito necessário entre os seus fãs a ter a boa habilidade em dar continuidade a uma obra com tantas novas possibilidades de ser expandida. E é de se esperar, que o próximo livro dessa série, tenha a mesma qualidade e reconhecimento que esse livro adquiriu.
Originalmente publicado em 20 de julho de 2012
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