Bianca Martins 09/10/2023Sobre o AbsurdoFoi a minha 70 e tantos leitura do ano e ainda assim conseguiu ser um dos meus favoritos de 2023.
Me identifiquei tanto com o personagem principal que me doía o fato de ninguém estar conseguindo compreendê-lo. Suas ações não foram duvidosas. Podem questionar a moralidade, mas não sua ética.
E não é que ele não se importe, pelo contrário, ele se importa o bastante para entender que algumas coisas são como elas são e não depende de você para mudar o rumo. Ele é racional.
Vou copiar algumas partes de uma resenha que li, mas não sei o nome do autor:
"Mersault vive em mundo de convenções , no qual ele não pode ser ele mesmo, por isso ele é um "estrangeiro", do ponto de vista da sua percepção do mundo, pelo menos das convenções sociais. Ele age como uma pessoa distante, que compreende os costumes , mas não se sente a vontade de interagir com os "nativos". O velório da mãe é um exemplo de como Mersault sabe o que as pessoas esperam dele , mas se recusa a fazer , porque não tem vontade de representar um filho triste. A personagem não deseja destruir a sociedade , ele se limita a compreende-la e interage sempre de forma sincera, ele não mente no velório, não mente a sua namorada, nem ao advogado e ao juiz. A morte do arabe é quase um acaso, ele admite sua responsabilidade e consequência porque ele entende como funciona as coisas. O "Absurdo" não é como Mersault lida com o mundo, o absurdo não é que exista um Mersault. Mas o absurdo reside nas convenções sociais que esperam que ele assuma um papel e renegue a sua liberdade. Camus provoca ao construir uma personagem que não se engana e não mente a si mesmo. Ele não chora sem vontade, não fuma sem vontade, e se comete um crime assume as consequências. O padre deseja que Mersault acredite em Deus , e ele não consegue mentir. No final do romance Mersault se revolta e grita com o padre, porque ele não esta disposto a metafisica de pensar que seremos perdoados por algo superior. Para Mersault ( e para Camus tb !) estamos todos condenados a se arrastar por esse mundo de convenções , no qual tanto vale um como o outro , nos acostumamos a tudo e sempre somos vistos, do ponto de vista do outro, como um "estrangeiro".
Esta é uma das grandes perguntas do romance: O que justifica o comportamento de Mersault? Camus constrói seu texto de modo a não entregar a resposta de tal questionamento. Mersault pode ser um niilista cansado ou um homem revoltado internamente. A dificuldade é que ao acompanharmos podemos pensar que ele é um homem comum, ele conversa, trabalha, viaja, namora, parece ser agradável aos amigos e não mantém algum desafeto que o perturbe, o grande acontecimento dramático em sua vida é a morte do árabe. Mas o acento dramático é para nos leitores, porque internamente Mersault não se abala. Camus nos apresenta um homem, seguro de suas ações, tão seguro que aparenta ser frio, mesmo encarcerado ele é livre. Mersault não delega responsabilidades, ele assume para si mesmo todo o protagonismo de seu pensamento, para ele o mundo é o que esta dado, ele diz que pode acostumar-se a viver dentro de um tronco de árvore ou na cela que esta preso. Podemos comparar Mersault ao protagonista de “A Náusea”(Sartre). Antoine Roquentin ao decorrer do romance vai apresentando ao leitor suas dúvidas sua postura em relação as coisas e seu desconforto com o mundo. Mersault por outro lado é o mesmo da primeira página a última. O absurdo talvez seja a única resposta que justifique o comportamento de Mersault. De um ponto de vista crítico é possível rastrear no “Estrangeiro” duas grandes influências: Bartleby-o escrivão (Herman Melville) e o Processo (Kafka). Mersault parece ecoar um pouco da máxima de Bartleby : "I would prefer not to". No fim é possível pensar que a questão: “O que justifica o comportamento de Mersault” na verdade refere-se a nos mesmos. O que nos justifica? Como respondemos ao absurdo de nosso cotidiano? Camus termina deixando Mersault em sua cela, esperando a execução. Será que nosso lugar no mundo é tão diferente da cela de Mersault? Não estamos só esperando a nossa execução?"
Se você está lendo essa frase depois de pular esse tantão de coisa, volte e leia que vai valer a pena!