viiholiveiiraa_ 23/05/2023
A depressão é uma 'Redoma de Vidro'
Poucos escritores, talvez, tenham tido uma obra tão curta e venerada como a produção de Sylvia Plath. A romancista e poetisa teve a vida curta assim como as suas produções. Morreu com apenas 30 anos de idade após se suicidar-se depois de viver anos em uma depressão silenciosa e um casamento fracassado. Hoje em dia, a escritora é uma das mais reverenciadas na literatura norte-americana e literatura inglesa. Seu único romance, A Redoma de Vidro, foi publicado semanas antes de sua morte, em 1963.
Em seu livro, Sylvia utiliza de suas próprias experiências vividas para traçar uma obra semiautobiográfica. A narrativa foi inspirada em episódios que aconteceram no verão de 1952, onde Plath, uma universitária com notas excelentes, consegue um estágio em umas das revistas de moda mais famosas de Nova Iorque, a Mademoiselle.
Enredo
Esther Greenwood, protagonista do romance, aos 19 anos é uma mulher extremamente dedicada aos estudos. Como mérito dos seus esforços, a jovem conquista uma bolsa de estudos em uma universidade conceituada dos Estados Unidos. Fascinada pela escrita e literatura, Esther é destaque em sua turma obtendo diversas premiações. Ainda na faculdade, a protagonista recebe uma oportunidade única: o estágio de um mês em uma revista de moda, uma das mais ilustres de Nova Iorque. A vida parecia correr perfeitamente bem para uma menina que saiu dos subúrbios de Boston para viver os luxos da cidade grande, mas para Esther, os sonhos estão longe de serem perfeitos. A jovem se sente vazia e vive uma depressão agravante, ao ponto de ter pensamentos suicidas constantemente e o seu ponto de vista nas relações amorosas, familiares e amizades começam a ser questionados.
Com a narração em 1° pessoa, a autora nos convida a imergir nos pensamentos angustiantes da protagonista e perceber que, às vezes, a depressão não precisa de grandes alardes ou tragédias traumatizantes. Apesar de ser um tema sensível, a narrativa é fluida e o fluxo de consciência interrompe o tempo linear, permitindo aos leitores ler momentos do presente com fatos do passado. Embora o livro seja considerado um clássico da literatura mundial, a linguagem não é rebuscada, tirando aquele preceito de que os clássicos são difíceis de serem lidos.
Em meio ao glamour da cidade que nunca dorme, Esther começa a questionar-se qual o sentido da vida. A jovem percebe que interesses que antes lhe encantava, já não tem tanto encanto como antes. Ao voltar para a casa, a menina começa a se aprofundar em um mar sentimentos sem esperança, deixando de fazer a suas atividades corriqueiras e até mesmo o básico da higiene pessoal. Em um trecho, a personagem expõe que a vida passava diante de seus olhos como caixas brancas. “Eu via os dias do ano se estendendo diante de mim como uma série de caixas brancas e brilhantes, separadas uma da outra pela sombra escura do sono. Só que agora a longa perspectiva das sombras, que distinguia uma caixa da outra, tinha subitamente desaparecido, e eu via os dias cintilando à minha frente como uma avenida clara, larga, desolada até o infinito.” (pág. 144).
O livro também traz um posicionamento feminista, já que a personagem em vários momentos se questiona a respeito do papel da mulher na sociedade. Lembrando que, o tempo do enredo se passa ainda na década de 50, anos em que a revolução feminista ainda se consolidava no país norte-americano. Problemáticas como igualdade de gênero, ideia do casamento, filhos e a castidade imposta de forma diferente entre homens e mulheres são alguns temas discutidos no livro. Esther constantemente se questionava sobre a sociedade patriarcal que vivia e desejava viver uma vida diferente dos padrões que eram impostos.
Depressão
Se hoje a depressão ainda é vista por mal olhos por muitos, imaginam na década de 50? Fora que, nessa época ainda se tinham poucos estudos sobre a doença nas áreas da psicologia e psiquiatria. Muitos médicos, inclusive, achavam que o melhor tratamento era a base de choques elétricos. O estigma de que essas pessoas deveriam viver fora do convívio da sociedade levavam muitas a ficarem meses trancadas dentro de uma clínica psiquiátrica. O relato do seu tratamento dentro do sanatório a base de eletrochoque é difícil de ler, especialmente quando descobrimos que a própria escritora, Sylvia, passou pelas mesmas coisas. Apesar de ser uma história sofrida, Plath consegue narrar os acontecimentos de forma poética e com uma delicadeza louvável. Com a história de Esther e até mesmo da própria autora, somos capazes de sentirmos empatia e até mesmo uma revolta com todos os acontecimentos.
A Redoma de vidro, é utilizado pela escritora com uma metáfora para a depressão. Em alguns trechos podemos ver a personagem falar que é como se ela estivesse confinada e sufocada dentro de uma redoma vendo sua vida passar diante dos seus olhos e os seus sonhos perderem o sentido. “Não teria feito a menor diferença se ela tivesse me dado uma passagem para a Europa ou um cruzeiro a redor do mundo, porque onde quer que eu estivesse – se fosse o convés de um navio, um café parisiense ou Bangcoc -, estaria sempre sob a mesma redoma de vidro, sendo lentamente cozida em meu próprio ar viciado.” (pág. 182)
Em muitos momentos do livro pude me identificar com a personagem. Grande parte dos pensamentos angustiantes de Esther é o fato de não saber o que fazer com a própria vida, um problema muito recorrente na vida dos jovens assim como eu. Devo me casar ou priorizar minha carreira? Poderia viver somente de minha escrita? Devo viver os padrões impostos pela sociedade ou viver de forma com que eu me alegro? Quais são os meus valores? Propósitos? Muitas vezes nos sentimos perdidos sem conseguir enxergar um sentido para a nossa vida, mas é aí que está a graça da vida: não há um único sentido para todos. A vida nos dá escolhas infinitas todos os dias.
Não sabemos como a história de Esther termina, mas infelizmente sabemos que Sylvia foi comprimida pela redoma de vidro até ficar completamente sem ar. No tempo em que essas duas mulheres viveram as formas de tratamento para as doenças mentais não eram tão eficazes, mas hoje, graças aos muitos estudos, há abordagens mais efetivas sem sofrimento físico. Caso você esteja passando por isso, saiba que não estás sozinho. Procurar por ajuda profissional - psicólogo ou um psiquiatra - não significa que você falhou, mas que você deu o primeiro passo para vencer os sentimentos angustiantes. Não há nada de errado em pedir ajuda!
Apesar de ser uma leitura triste, há lições importantes que nos faz refletir sobres questões pertinentes do nosso dia a dia. É uma obra que, nas entrelinhas, tiramos ensinamentos essenciais que levaremos para o resto da vida. Indico a leitura para aqueles que estejam com o emocional bom, pois há gatilhos que para alguns possam ser difíceis de serem lidos. Mas, para aqueles que se interessar, Sylvia Plath, através de uma escrita impecável, é capaz de nos sensibilizar por um assunto tão triste.