Coruja 21/04/2016Fim de semana passado rolou debate do Clube do Livro de Bolso sobre Incidente em Antares, do Érico Veríssimo, e, para um livro que foi escrito 45 anos atrás, a essência da história continua surpreendentemente atual.
Dividido em duas partes, o livro começa com uma ampla contextualização histórica da cidade de Antares, que aqui serve como microcosmo para o Brasil. Veríssimo utiliza-se aqui de transcrição de relatos, diários e artigos de jornal para emprestar verossimilhança à narrativa, misturando ficção e História.
A segunda parte, quando ocorre o incidente propriamente anunciado no título, é característica do realismo fantástico latino-americano: no mesmo dia em que é deflagrada uma greve civil dos operários de Antares - incluindo aí os coveiros - sete antarenses morrem e têm negado seu sepultamento enquanto não se resolver a questão.
Sem poderem ser enterrados, os sete mortos retornam ao convívio dos vivos para reclamar seu justo descanso e expôr, sem quaisquer pudores, a hipocrisia e podridão de toda a sociedade.
A história se passa às vésperas do golpe de 64 e não há meio termos na forma como as convulsões sociais da época estão apresentadas. Antares é dominada por uma elite conservadora, machista, preocupada com a manutenção de seus privilégios contra as nascentes idéias políticas surgidas entre a classe social operária.
Isso é mostrado na corrupção generalizada dos políticos e mandatários da cidade; no descaso e desprezo por qualquer justiça social - e acho que nada é mais doído nessa história que a morte de Erotildes no hospital -; na tortura como instrumento de manutenção da ordem e segurança social.
O final desce amargo pela garganta - com a operação borracha para esquecer o dia em que os mortos se levantaram e apontaram os dedos para o que temos de pior em nossa sociedade; com o golpe militar e a perseguição aos poucos personagens pelos quais tínhamos alguma simpatia - em especial o padre Pedro Paulo, dos poucos a levantar a voz para defender e lembrar os humildes e esquecidos, os deixados à margem da própria humanidade.
Considerando que o livro foi publicado em 71, e as implicações claras ao regime militar, corrupção e falta de liberdade, é surpreendente que o livro tenha passado pela censura.
Irônico e repleto de espírito crítico, Incidente em Antares é um livro que deveria ser mais lido, mais estudado, mais comentado. Talvez assim evitássemos viver a cometer os mesmos erros...
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