@ALeituradeHoje 05/08/2018
O Prazer de um Incidente
Que Erico Veríssimo é um mestre em contar histórias, isso é tão óbvio como dizer que “o açúcar é doce”. E neste Incidente em Antares, ele só faz consumar essa caraterística irrefutável.
O livro é uma história que tem tudo para ser “engraçada” entretanto é vivamente triste. Sempre que leio sobre o vazio do ser humano, sobre seu egoísmo, sua vilania, essas características tão verdadeiramente humanas, isso me angustia.
Com seu toque debochado, Érico nos apresenta Antares, uma cidade do Rio Grande do Sul (o contato com a cultura gaúcha, mesmo para uma “catarina” como eu, é um deslumbre de ler). O livro conta sobre a inimizade de duas facções políticas da cidade e coloca como pano de fundo acontecimentos verídicos da política brasileira nos anos que antecederam 1963, o ano do fatídico incidente.
Em meio a esse cenário, ocorre uma greve geral, incluindo os coveiros e sete defuntos ficam insepultos. Veríssimo então nos mostra a insatisfação dos mortos, que incomodados com a situação voltam a cidade para exigir que sejam enterrados. E daí o “bicho pega”.
Do mais rico ao mais pobre, a primeira lição é que a morte chega para todos. Um morto rico, é igual a um morto pobre. Se tem uma hora que todas as diferenças são “enterradas” é no cemitério. Pode até ter um túmulo bonito, mas teu corpo vira pó. Apodrecer num caixão de ripa ou num caixão de mogno não te fará menos podre.
Dinheiro não te faz bem quisto. Érico me fez chorar quando mostrou o pobre, o zé ninguém, o sofrido, sendo lembrado pelo coração, enquanto o rico só foi importante enquanto gerava renda. Quando virou pó, já não era de mais valia. A história da prostituta, para mim, foi a mais triste. Tão julgada, tão sofrida, com uma carga tão pesada, no fim era o melhor coração, com o desejo mais simples e puro.
Dentre vários temas relacionados, o livro traz críticas fortes à censura e ao cenário de coronelismo. Escrito em 1970, em plena ditadura, Verissimo apresenta os ânimos que antecederam o golpe. De forma corajosa, expõe algumas das sujeiras políticas, incluindo perseguição e tortura, mesmo antes do triste 1964.
Um livro magnifico em todos os sentidos. Favoritei. Claro!