mel 16/10/2022
O real se dispõe para a gente é no meio da travessia
Terminar esse livro me trouxe uma série de sentimentos, os quais eu vou tentar separar, mas provavelmente não vou conseguir. Primeiro, a sensação de raiva por não ter lido esse livro antes. Segundo, a sensação de alívio e gratidão por ter lido no momento em que eu li. Se tivesse lido com outra cabeça, talvez ainda cursando o ensino médio, eu teria abandonado ou arrastado a leitura por tédio e implicância; é exatamente por isso que estou considerando esse texto como uma oferta de paz à literatura brasileira e encerrando então o nosso relacionamento tóxico que se deu início há muitos anos na época de escola.
Sempre fui uma leitora ávida desde a infância, mas literatura clássica nunca foi a minha área de interesse. Eu achava tudo muito difícil e chato, enquanto histórias mais "simples" e estrangeiras atiçavam a minha curiosidade e para mim eram superiores. Quando entrei no curso de Letras no começo de 2021, tudo fez sentido para quem me conhecia, pois eu sempre era a pessoa que preferia estar lendo um livro do que fazendo outras atividades que as pessoas da minha idade estavam fazendo. Mal sabiam eles que, apesar de eu gostar bastante de ler, tinha entrado no curso porque amo Linguística. A parte "burocrática" da língua foi o divisor de águas pra mim. Porém, como nem tudo são flores, fui obrigada a entrar em contato com a literatura clássica novamente num contexto não mais escolar, e sim acadêmico, com outra cabeça e outras ideias. Todos os pré-conceitos que eu cultivava sobre poesia e literatura clássica brasileira foram aos poucos caindo por terra quando eu ia descobrindo que na verdade, não era tudo uma chatice, e eu que não tinha aberto a minha mente o suficiente para descobrir isso!
Guimarães Rosa foi o autor que me causou essa epifania e me mostrou como todo esse universo pode ser tão interessante, intrigante e lindo quanto os universos que eu pensava como superiores apenas por não serem brasileiros ou tão antigos. E eu nunca vou me esquecer dos momentos em que li seus contos no metrô para discuti-los em aula na semana seguinte, assim como todos os momentos nesse período de um mês em que encarei algumas páginas por vez de Grande Sertão: Veredas, de início com uma confusão tremenda, e depois com uma perplexidade que nunca havia sentido. É como se estivesse me realfabetizando, só que em outros sentidos.
A história de Riobaldo e Diadorim está na minha cabeça desde que terminei a leitura, e provavelmente vai continuar nela por um bom tempo. Rosa colocou em palavras sentimentos tão abstratos, reais e bonitos, coisas que você nunca imagina que alguém conseguiria descrever. Nesse grande romance de formação, onde Riobaldo busca incessantemente o sentido da vida e das coisas, acho que ele acaba o encontrando no ato de não o encontrar. É o certo no incerto. "Digo: o real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia" (p. 53).
Ainda lerei esse livro mais vezes, e ainda terei muito mais a dizer sobre ele e sobre Guimarães Rosa, mas por enquanto isso basta.