Sacripanta 03/04/2010
A queda (Alberto Camus)
O ótimo livro do escritor argelino Alberto Camus conta, em primeira pessoa, a história de um homem felicíssimo mas que descobre a grande dose de ilusão em que essa sua felicidade se apoia, de forma que o que outrora tomara por virtude não passa de vícios dissimulados.
O livro é o retrato de um homem feliz mas que pouco a pouco se sente desconfortável com o mundo e consigo mesmo, passando a "castigar-se" metendo-se em prostíbulos, entregando-se à bebida e desfazendo a imagem de bom moço que esforçara-se por merecer.
Assim, essa queda é mera concretização de uma vilania de caráter que ele sempre cultivou mas que cismava não ver. Essa súbita consciência faz com que ele se amesquinhe e se satisfaça com viver um quinhão pequeno da vida, perdido em um boteco de Amsterdam, contando sua vida a estrangeiros que vão e vêm e dando a impressão que arrasta-se pelo fundo do poço, ainda que com as costas eretas e a cara limpa e barbeada. É como andar pela lama e ter orgulho em só sujar os sapatos.
Apesar de escrito em forma de diálogo, o livro é um monólogo, pois o receptor jamais se manifesta nem intervém. Dá a impressão de que o livro todo pode ser o devaneio de um ex-advogado parisiense, egoísta e autocentrado até o fim, tentado recontar/reescrever sua história, concedendo-lhe uma linearidade e tentando justificar sua atual miséria.
É um livro denso, curto e cuja leitura eu recomendo. Interessante notar que a tradução das edições atuais é a mesma da edição do Círculo do Livro. Não li o original, mas a tradução parece conter alguns erros, o mais evidente dos quais é traduzir "petite-amie" por "amiguinha", quando na verdade equivale a "namorada".