Paisagens Literárias 27/04/2020
O grotesco sul-estadunidense de O´Connor
Este livro é uma coletânea de dez contos, os quais são permeados pela realidade sulista dos Estados Unidos, a qual fez parte do cotidiano da autora. Com um pacto muito grande com a religião, O´Connor questiona a possibilidade de redenção de uma sociedade decadente pós-Guerra Civil dos Estados Unidos, cheia de ressentimentos e preconceitos. De maneira que, os seus personagens não são particularmente agradáveis e seus destinos são geralmente sombrios, resultado não de fatalismo, mas de suas próprias decisões anteriores. As imagens que a autora constrói são cruas e violentas, porém bonitas, dado ao seu cenário estético cheio de metáforas. Como resultado, mesmo que O´Connor não procure propriamente problematizar as questões sociais, ela monta um cenário que evidencia as camadas da existência da branquitude racista estadunidense. Nesse sentido os contos que mais me chamaram a atenção foram “O negro artificial” e “O Refugiado da Guerra” que caracterizam fortemente a construção do Outro, dos não brancos e do estrangeiro de maneira bastante explicita. Certamente, meu olhar sob estes contos foi influenciado pela obra da Toni Morrison “A origem dos Outros” que li recentemente, o diálogo entre as duas obras na construção do racismo é muito grande [tem resenha no meu perfil]. Outra questão que achei interessante nos contos foi o papel das mulheres na escrita de O´Connor. São mulheres que refletem a forma a vida das pessoas do sul dos Estados Unidos da época, porém são mulheres mais reais, não fragilizadas, apesar de todos os seus preconceitos. Essa caracterização quebra com a lógica das personagens femininas romancizadas "belas, recatadas e do lar" da região. Por fim, na minha opinião este é um ótimo livro, cheio de ironia e humor que gera muitas reflexões. Porém, pode ser uma obra bastante pesada e pessimista de ser ler para os tempos atuais de pandemia.
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