Alle_Marques 24/12/2023
Ah, Bartleby! Ah, humanidade!
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[...] Em resposta a um anúncio, um jovem que não se mexia surgiu, numa manhã, na entrada de meu escritório — como era verão, a porta encontrava-se aberta. Ainda hoje sou capaz de visualizá-lo — palidamente limpo, tristemente respeitável incuravelmente pobre! Era Bartleby. [...]
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É um bom exemplo de que para uma história ser profunda e intrigante, não é necessário que seja grande ou cheia de reviravoltas.
É uma narrativa curta e simbólica, fechada em si mesma, onde quase nada acontece na história e os personagens e suas ações são difíceis de entender, para alguns pode parecer chato e tedioso, a falta de ação pode pesar bastante, mas Melville é fiel a sua proposta, ele faz sua crítica, transmite cada pequena estranheza e desconforto, e nos deixa sem ação igual o narrador, mas com a cabeça igualmente cheia.
Bartleby pode não ser o sujeito mais fácil de compreender, e suas negativas muito menos, mas consegui simpatizar facilmente com ele, suas ações nos deixam incrivelmente desconfortáveis e ele é ainda mais apático e indiferente quanto imaginei, mas parando pra pensar, ele não faz nada demais, ele apenas está negando um trabalho que não é seu, Bartleby é apenas um trabalhador comum, que se torna excêntrico por ter a coragem de dizer “Não” para seu chefe.
Agora, o porquê de tal negativa? Não sabemos e é aí que Melville entrega o ponto alto de sua obra. O autor não se limita a entregar respostas mastigadas, mas propor reflexões: O que será que o mundo fez a Bartleby? O que aconteceu a esse homem para ele se tornar tão inexpressivo assim? Quais são seus motivos? Por que essa recusa em fazer mais do que o necessário? Ele está errado? Está certo?
Talvez tudo seja sobre revolta ou conformidade, talvez seja a forma que ele encontrou para fugir da alienação ou manter a dignidade, talvez seja um pedido de ajuda ou uma tentativa desesperada de ter o controle da própria vida, talvez uma tentativa inconsciente de preservar sua identidade em um mundo tão padronizado, talvez tudo seja uma grande critica a sociedade, ao trabalho, a exploração ou o tradicionalismo, coisas essas que tanto afetam aqueles que, igual Bartleby, são, pensam ou agem “diferente”, os que não se encaixam, talvez seja um grito de socorro, ou talvez seja tudo sobre a solidão humana, o vazio existencial, a depressão, a melancolia, o individualidade, o egoísmo, o mais profundo sofrimento ou sobre o que fazer quando nada mais do que fazemos parecer fazer sentido.
Podemos terminar pensativos e confusos, talvez levemente decepcionados, mas ao menos temos a satisfação de poder, cada um, interpretar como bem entende.
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“Eu poderia oferecer compaixão a seu corpo, mas não era seu corpo que lhe doía; era sua alma que sofria, e a sua alma eu não conseguia alcançar.”
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15° Livro de 2023, 21ª Resenha de 2023
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