@literatoando
19/05/2020Cheio de temáticas reais e relações inverossímeisEsse é o segundo livro que li da autora, o primeiro foi Garota Exemplar, também o mais conhecido. Desde a leitura passada tive uma pequena dificuldade para entrar na história de fato, a narrativa de início sempre me parece meio intrincada e demorei um pouco de me conectar, nesse não foi diferente. Escrito em primeira pessoa, acompanhamos a narrativa de Camille Preaker, repórter de um jornal de pouco alcance em Chicago, que é enviada para a cidadezinha em que ela viveu sua infância e adolescência, Wind Gap, no intuito de investigar o desaparecimento e assassinato de crianças que estavam ocorrendo por lá. O editor da revista acredita que essa matéria é o que fará o jornal ganhar expressividade, já que não havia ninguém investigando esses casos misteriosos.
A cidade em si, por ser pequena, é extremamente peculiar e repleta de segredos. A personagem principal tem problemas pessoais e familiares profundos, envolta de uma série de questões relacionadas à autoimagem. Típico das cidades interioranas, o machismo e a construção sólida de uma visão sexista de feminilidade imperam e esses são assuntos que a autora aborda escancaradamente. A própria Camille destaca isso em algumas passagens como, ao falar sobre a cidade no geral, afirma que: ?Uma mulher solteira depois dos trinta era algo estranho naquela região.?. E em outro momento no qual ela está conversando com um personagem e ele está sendo idiota, ela diz: ?Você é machista. Estou farta de homens liberais de esquerda praticando discriminação sexual sob o disfarce de proteger as mulheres de discriminação sexual.?; como eu disse, nada sutil. A maternidade compulsória e essa visão romantizada dela são outros aspectos criticados pela autora, principalmente nos momentos em que a narradora pensa ou se encontra com suas amigas de infância e adolescência. Além de falar sobre machismo e relações parentais extremamente tóxicas, a obra toca em pontos que podem ser gatilhos emocionais para muitas pessoas, como a automutilação, rejeição materna, a ideação suicida e o abuso do álcool como válvula de escape.
A história, quando engata, se desenrola de uma maneira que instiga a curiosidade do leitor, o que é um ponto essencial num livro de mistério/suspense. Os personagens são intrigantes, todos parecem ter uma motivação para suspeitarmos, mas sempre tem aquele que gera nossa suspeição desde a primeira aparição (no meu caso, antes mesmo de aparecer) e infelizmente, é previsível demais, tão previsível que chega ao ponto de acreditarmos que ?não é possível que seja isso mesmo?. A reviravolta final, que ocorre já no epílogo, é fraca, porque a explicação abstrata posta anteriormente é interessante, mas improvável. Um ponto que me incomodou foi que, apesar das personagens serem profundas em seus pensamentos e crenças, as relações entre elas são muito superficiais. Ninguém é amigo de ninguém, ninguém se importa com ninguém, parece que todas as mulheres da cidade se odeiam, com exceção de uma única personagem, ninguém ali parece real. A única relação que aparenta ser sincera ali, inconvenientemente, vai ser a da Camille com um homem e acaba de forma tão abrupta quanto se iniciou. Fora o fato de que a própria narradora também irrita um pouco, já que por vezes ela está nos relatando algo absurdamente suspeito e demora muito para perceber o óbvio.
Instigante, com personagens misteriosas e um grande toque de morbidez, mas que, na minha opinião peca por ser nonsense demais e as relações entre personagens não saírem da superfície. 3 estrelas de 5.
Resenha do meu instagram literário: @litera.toando