Aimee.Eduarda 24/02/2023
Este é o primeiro livro que terminei de Dostoievski, havia começado Crime e Castigo, mas pela dificuldade e falta de tempo, acabei por deixá-lo de lado. Então um amigo me disse que Noites Brancas era um romance mais leve e pequeno com o qual eu teria mais facilidade.
Eu particularmente amo coisas dramáticas, quanto mais drama melhor. Então eu amei as descrições do Sonhador durante a obra. E como alguém que tenta absorver as impressões dos seres humanos, houveram três momentos que me marcaram durante a leitura. Partes tristes, reflexivas e pesadas mas que para mim dizem essencialmente dos seres humanos e como eles constituem as suas relações com eles mesmos, com os outros e com o mundo que o cerca.
Em primeiro lugar, o início da descrição sobre as pessoas, os trabalhadores voltando para as suas casas a luz do pôr do sol, aquilo que dava ao personagem segurança. Percebi certa característica do Sonhador que lhe causava sofrimento, a sua afeição pelas pessoas, ele as queria bem, desejava encontrá-las no meio da rua, mas não tinha coragem de demonstrar isso. Ele sentia vontade de expressar o valor destes como pessoa, mas isso acabava não acontecendo. Havia uma barreira que o impossibilitava de seguir a diante e fazer com que florescesse uma amizade com seus vizinhos. E por esta causa, julgo eu, ele se sentia esquecido, jogado as traças, como um espelho que refletia aquilo que ele cultivava, as relações superficiais que retornaram a ele em um vazio completo e sem perspectiva de futuro. Como se o sonhador em uma ilusão fizesse tudo o que planejava utopicamente, querendo que na realidade concreta fosse verdade.
Por isso, quando ele olha toda aquela ordem estabelecida pelo costume se desfazer com a ida de todos para o campo, é como se o seu mundo caísse, e suas idealizações e sonhos tivessem ido para um lugar escuro e sem vida.
Um segundo momento que me marcou foi seu encontro com Nástienka, no momento em que ele descreve a sua vida, me remetendo grandemente a Metamorfose de Kafka, cheio de analogias para falar de seu sofrimento, falta de esperança e sentido da vida. A parte que fixou na minha memória de forma mais latente, foi quando ele fala de um gatinho maltratado, malcuidado e humilhado, perguntando-se como poderia um animal se comportar normalmente se fora criado debaixo dessas condições. Isso me tocou, porque o ambiente é muito importante para a formação psíquica do individuo, me levando a refletir que é imprescindível respeitar o contexto da qual as pessoas vieram, e sempre tentar adequar o meu olhar sobre o outro de acordo com a sua realidade.
E o terceiro foi o final, que eu estava acreditando que ela ficaria com o Sonhador, mas quando o inquilino chegou tudo mudou. E novamente, tendo o Sonhador arraigado as suas raízes em terras tão instáveis, ele se vê em uma perspectiva futura sempre repetindo o mesmo, dia após dia, envelhecendo sem construir nenhuma ligação perene com ninguém, velho e amargurado. Me fazendo lembrar de dois personagens da literatura brasileira- Bentinho e Brás Cubas, que por n motivos tonaram-se amargurados vivendo uma vida solitária, um deles tornando-se um rabugento casmurro e o outro dedicando suas memórias aos vermes que roeram o seu corpo.
Resumindo tudo, esse livro me fez refletir muito sobre a vida, o valor das relações sociais intencionais, e sobre a responsabilidade de não viver de ilusões, mas construir na concretude da vida comunhão com as demais pessoas. Como Marcos Almeida canta, "O homem é comunhão e Deus não é solidão, por isso temos que nos doar mais, repartindo- nos ao outro em imitação a Cristo. Não esperando necessariamente retribuição, mas colocando as expectativas no lugar certo, em Jesus Cristo o único que pode estabelecer verdadeira comunhão entre Deus e os homens, e entre os homens e toda a criação.