Krishna.Nunes 30/01/2021Um árido clássico da ficção científicaEssa é uma narrativa épica sobre uma violenta disputa política envolvendo algumas das poderosas dinastias que constituem o Imperium.
Num universo que já passou por uma guerra contra as máquinas que fez com que os computadores fossem proibidos, pessoas com habilidades especiais são treinados para serem verdadeiros processadores de dados humanos. O planeta Arrakis, que por suas extensas áreas desérticas também é chamado de Duna, é o único local do universo onde se encontra o enigmático mineral mélange, comumente conhecido por "especiaria". Além de servir como droga recreacional e narcótico leve, a especiaria tem o efeito de expandir a mente humana, fornecendo poderes de presciência e visões proféticas. Sem contar com máquinas para traçar as rotas das viagens espaciais, os pilotos da Guilda (empresa de trasportes e monitoramento por satélites) dependem da especiaria para voar. Sem ela, as viagens espaciais estariam condenadas, as pessoas estariam confinadas aos seus planetas natais e o império não existiria. Isso torna o mélange a substância mais preciosa da galáxia.
O leitor é introduzido à trama no momento em que o Duque Leto Atreides recebe do Imperador a dúbia tarefa de administrar o planeta Arrakis. Se, por um lado, isso lhe garante o privilégio de explorar a cobiçada especiaria, por outro lado coloca-o na difícil posição de viver num planeta desértico e de ter que confrontar os inimigos históricos de sua família, a dinastia Harkonnen, liderada pelo maquiavélico Barão Vladimir.
Na maioria dos aspectos, Duna mostra muito mais afinidade com narrativas épicas medievais como O Senhor dos Anéis e Guerra dos Tronos do que com as odisseias espaciais e histórias de robôs que pontilharam a ficção científica das décadas de 1950 e 1960. A diferença é que, aqui, temos vermes gigantes no lugar de dragões e o cenário é um outro planeta, em vez de um mundo ficcional muito parecido com a própria Terra.
Assim como deixou de lado todo o aparato tecnológico praticamente obrigatório ao seu gênero, o autor trouxe características mais humanas em Duna. Escrito em meio ao movimento hippie, o livro descreve o uso de entorpecentes e explora bastante o tema espiritual. Pelo vigor da sua narrativa, Duna se estabeleceu como clássico da ficção científica e influenciou um sem número de obras posteriores, não apenas na literatura mas também no cinema, em filmes como Star Wars, Blade Runner e Alien.
A escassez de personagens femininas nesse romance de cavalaria é compensada pelo poder que as mulheres Bene Gesserit têm de manipular a política, a genética e o destino de povos inteiros. Compondo uma irmandade disfarçada de seita religiosa, muitas vezes chamadas de bruxas por contarem com algumas habilidades como a de controlar pessoas através da Voz, essas mulheres são na verdade exímias nas artes da política, administração, diplomacia e domínio de línguas. Entre suas maquinações estão o melhoramento genético, com casamentos arranjados e planos para preservar ou extinguir toda uma linhagem, reforçando as características desejadas ou necessárias para seus próprios desígnios.
O livro trata de temas relevantes como a escassez de recursos naturais finitos, ambientalismo, monopólio da exploração de recursos e da prestação de serviços, impactos da monocultura, totalitarismo político, fundamentalismo religioso, lideranças messiânicas, drogas, contracultura e outros com tanta atualidade como se tivesse sido escrito ontem mesmo. A discussão acerca da especulação sobre o valor da especiaria (quem produz, quem vende, quem armazena, o que define os preços, etc.) está fazendo um claro paralelo com a situação do petróleo na Terra.
A chave de todo o enredo está em torno da questão se Paul é o predestinado para comandar uma revolução que irá mudar Duna, como arquitetado pelas Bene Gesserit, ou se ele deve rejeitar o seu "destino" e seu treinamento, contrariando a vontade da própria mãe, para evitar uma desastrosa guerra religiosa que se expõe como provável desdobramento de seus atos.
Esse não é um livro de ação. O poder da obra reside na profundidade dos diálogos, onde o leitor precisa estar muito mais atento ao que não é dito, ao que permanece apenas nas entrelinhas e nos pensamentos, do que naquilo que é realmente falado.