Vanessa.Benko 03/03/2020
Sobre imagens e significados
Li este livro para um trabalho de faculdade e ficou difícil fazer uma resenha "resumida" dele... mas vamos lá!
Mesmo que haja pontos em comum com outros leitores, cada pessoa tem um sentimento perante a “imagem” que o livro adquiriu para si. Para mim, realmente o termo imagem é o adequado neste caso, pois pode ser definida como “uma seleção da realidade associada à uma seleção de elementos representativos e uma estruturação interna que organiza os referidos elementos. Assim, cada indivíduo cria uma estrutura da imagem de acordo com aquilo que sente, que imagina. Estas imagens também podem mudar de acordo com o tempo, com nossas reflexões, debates e até mesmo de acordo com nosso humor.
Toda leitura é suscetível de possuir as diversas imagens de acordo com as interpretações do leitor; até mesmo leituras diferentes do que o autor objetiva criar. Mas no caso desta obra, conforme nos envolvemos na leitura, nas descrições, nas curiosidades, percebemos a construção de um verdadeiro labirinto, fazendo com que o leitor prenda o máximo sua atenção nos fatos ocorridos, nos símbolos. No meio de tantas verdades a serem desvendadas, portanto, o que percebemos da imagem que o autor cria da biblioteca, descrita como o verdadeiro labirinto? Ou ainda mais, qual o significado do acesso ao acervo ser proibido? A biblioteca é descrita como um labirinto inacessível, no qual apenas o bibliotecário e seu assistente tinham acesso. Sua arquitetura dificultava a localização dos volumes, possuindo salas e estantes distribuídas aparentemente sem lógica. Era uma maneira nunca vista antes de se organizar os livros, tornando-se uma forma mais forte de proibir o acesso de outros monges. Então, além de ser proibido adentrar na biblioteca, sua organização era confusa a ponto de alguém até mesmo se perder lá dentro, caso ousasse entrar. Não era possível encontrar rapidamente algum livro que estava procurando, mesmo esta biblioteca contendo um dos maiores acervos da época.
Está presente aqui o conceito de silenciamento, como uma idéia de censura de certos sentidos. Há coisas não devem ser ditas, escritas ou lidas por determinadas pessoas. A curiosidade é tida como algo insensato e um erro, que poderia significar, após a interpretação de textos, um questionamento das doutrinas da Igreja. Na época na qual se passa a historia, havia expressa vontade da Igreja em esconder certas verdades dos ditos ‘leigos’, de forma a garantir sua superioridade e vontade. Houve a instauração da Inquisição, para punir os hereges que foram contra a Igreja, já que esta não aceitava que pessoas comuns atribuíssem significados diferentes aos seus sobre os fundamentos do catolicismo e da Bíblia. A leitura de livros tidos como ‘pagãos’ poderia disseminar idéias contrarias às pregadas pela Igreja e poderia suscitar dúvidas sobre seus meios e fins. Esta imagem da Igreja não é diretamente contestada, mas significa através de fatos; além dos livros estarem proibidos, ainda há outros fatos, como a o julgamento errôneo feito pela Inquisição.
Outro aspecto relevante sobre a produção do texto e imagem, Adso cria a narração de forma bem interativa, como se até mesmo tivesse algum relacionamento com o leitor. Expõe suas idéias, ironiza e até pressupõe o que o leitor entende dos fatos (ou pelo menos o que o leitor deveria entender), como percebemos neste trecho: “Embora o meu mestre dissesse estas coisas com tom quase distraído, o meu leitor terá compreendido como aquelas palavras perturbavam o pobre despenseiro” (ECO, pág. 220). Ou ainda, demonstra vagamente o que acontecerá nas próximas paginas, e de que forma o leitor deve “ler” os acontecimentos e expressões: “Quem ele foi e o que fazia, meu bom leitor, poderás talvez deduzi-lo melhor das ações que operou nos dias que passamos na abadia. Não te prometi um desenho completo, mas sim um elenco de fatos (isso sim admiráveis e terríveis)” (ECO, pág. 12).
Para mim particularmente, a melhor descrição de Guilherme encontra-se nesta passagem, logo no começo do livro: “Assim era o meu mestre. Não só sabia ler no grande livro da natureza, mas também do modo como os monges liam os livros da Escritura e pensavam através deles” (ECO, pág. 16). Acredito que podemos acrescentar muito ao nosso conhecimento próprio se conseguirmos ler da forma que outros lêem. Podemos pensar da seguinte forma: quando estamos angustiados com algo, certamente é um alivio quando alguém conversa conosco e entende perfeitamente a forma como nos sentimos a até dizem as exatas palavras que queremos ouvir. Mas será que pensamos no quão maravilhoso pode ser quando nos colocamos no lugar da pessoa que ‘decifra’ e entende outrem? Ou pensamos no quanto nosso conhecimento cresce a medida que aprendemos com as imagens de outros? Signos, sinais... imagens. Como disse Guilherme: “Nunca duvidei da verdade dos signos, Adso, são a única coisa de que o homem dispõe para se orientar no mundo” (ECO, pág. 400).