spoiler visualizarFilipe 17/06/2018
Um livro apaixonante sobre o amor.
Kundera tem a habilidade de abordar o amor e os conflitos dele como ninguém mais, e isso é um fato, mas o que ele faz aqui é abordar as diferentes formas de buscar o amor. É a terceira obra que eu leio dele e também a mais sutil, com conflitos mais mirabolantes e resoluções diversas. Até onde é possível alguém chegar para conseguir aquilo que quer? Até onde você se conhece ou conhece ao outro? São perguntas que, no decorrer do livro, acabam surgindo e, de certa forma, sendo respondidas pelo próprio Kundera.
A vida é cheia de papéis, e nós interpretamos aquilo que é necessário para encontrar aquilo que queremos, principalmente o amor. Mas o outro pode estar fazendo o mesmo e, no fim, a relação se dá entre dois estranhos. Chega a ser poético, não acha?
A maior parte das histórias aborda sujeitos com ares conquistadores que mentem pelo bem de seus objetivos: alguns querem conquistar, outros querem enganar um sujeito enamorado e um, inclusive, utiliza da bem-amada para se safar de uma situação incômoda. É cômico ver a história do professor que se apaixona por uma mulher religiosa: ele, que leciona numa escola que preza pela ciência e o ateísmo acima de tudo, acaba sendo flagrado pelos funcionários desta numa igreja e tem que enganar ambas as partes para se safar. Isso me recorda uma velha máxima psicanalítica: quanto mais se foge de algo, mais se corre em direção àquilo. Não apenas é o que ocorre ao sujeito, que tenta acomodar-se em ambos os ambientes e acaba se prejudicando nos dois, como também é o que ocorre na vida de cada um. Kundera dá uma lição de vida aqui. E, sim, ele se embasa em psicanálise ao escrever, então não é surpresa alguma o emprego dessas ideias em seus textos.
Também é memorável a história do casal que entra num jogo porque a relação está ruim, e então percebe que nunca se conheceram de verdade. O jogo consiste em fingir que ambos são estranhos um ao outro e percorrer o trajeto de uma viagem dessa forma. As coisas que ambos fazem, porém, foge às capacidades que um acreditava que o outro tinha. Acabam percebendo que, ao fingir ser outra pessoa, acabam sendo mais sinceros do que ao tentar a sinceridade. O incrível é que, ao começar o jogo, a relação deles melhora, mas a confiança se esvai e chega o fim do relacionamento. Aquilo parecia ser a solução para os problemas, mas acabou revelando a ambos que o outro não era a pessoa pelo qual tinha se apaixonado. Ponto pro Kundera nessa daqui também.
As configurações que Kundera coloca aqui, apesar de envolverem sempre sujeitos conquistadores, são tão diferentes que acabam surpreendendo pelas várias facetas que um mesmo assunto pode adquirir. É um traço caricato de Kundera fazer isso, além de manter a beleza poética e filosófica de sua escrita, sempre instrutiva a respeito da vida, sem perder a graciosidade da leveza pela qual ele tanto preza. O mundo é leve pra Kundera, então sua escrita também é - porque ele escreve para o mundo.
Risíveis Amores é, portanto, um livro que eu recomendo a todos. Seu estilo e lições são cativantes ou até mais que isso: apaixonantes. Uma bela aquisição para qualquer prateleira. Uma bela aquisição para qualquer alma.
site: http://le-tristesse.blogspot.com/2018/06/risiveis-amores-de-milan-kundera.html