Karoline 03/03/2021
O livro foi publicado em 1985, ou seja, a Guerra Fria acontecia. As tensões entre os Estados Unidos e a antiga União Soviética continuavam; Ronald Reagan era reeleito presidente dos EUA, e Mikhail Gorbachev se tornava o secretário geral da URSS; ideologias bipolares tomavam conta; atos de espionagem eram investigados e descobertos; a corrida espacial permanecia, assim como a corrida armamentista; além disso, o fato de o milênio está perto do fim, dava um dimensão mística para a realidade da época, resultando nas pessoas apenas incertezas sobre o futuro (sentimento este que parece bem familiar, não é mesmo?).
Sagan então, como qualquer autor em qualquer época, escreve sua obra como um resultado de suas experiências e contexto. Em diversas passagens da narrativa, a crítica é bem clara e precisa a diversos pontos sociais e políticos: a guerra nuclear, a guerra do Vietnã, o machismo na área científica, a colonização e exploração humana, além do constante debate entre religião e ciência. E o que mais gostei é que todas essas questões estão postas para discussão e não necessariamente apresentando respostas fixas, deixando para o leitor encontrá-las. Embora, particularmente, no meu caso me trouxe mais perguntas do que algum tipo de conclusão, o que confesso fez da leitura ainda mais instigante.
Os diálogos entre Ellie e Palmer Joss são uma das minhas partes preferidas no livro inteiro. Joss é um pregador e ele serve na narrativa, principalmente, para ilustrar o embate religião versus ciência. Os pontos em que cada uma dessas duas personagens discutem permutam entre a ideia do sagrado, da fé, da existência de um Deus, e como na maioria das vezes esses conceitos são distorcidos para o bem próprio de indivíduos que, no fim, só estão atrás de poder, pura e simplesmente.
O fato de o romance ter como protagonista uma mulher, é outro aspecto fortíssimo do livro, pois é possível ver o quanto na ciência algumas de suas práticas e atitudes são bastante misóginas. Sim, eram os anos 80 vocês podem dizer, mas é inegável que ainda hoje presenciamos os mesmos tipos de comportamentos para com mulheres e, principalmente com as mulheres na área científica. É no mínimo revoltante quando é dito que Ellie tinha que mudar de postura e até mesmo o seu jeito de falar para poder ser levada a sério entre seus colegas homens.
Acredito que o que fez de Contato uma leitura tão extraordinária para mim, além de todos esses tópicos que já mencionei, é o quanto ele me fez sentir pequena diante de todo o universo e de seus conhecimentos ainda por serem descobertos. Algumas pessoas talvez achem isso um ponto negativo, mas eu adoro ser lembrada constantemente de nossas perspectivas limitadas, de que no fundo, nós como espécie, ainda temos muito o que aprender e que ignorar isso é o mesmo que desistir da possibilidade de mudança.
Não quero dar spoilers do livro aqui, mas por um momento no romance, Sagan nos mostra o quanto ganharíamos, tanto no nível pessoal, mas principalmente no coletivo, quando trabalhamos por um único bem comum a todos. O quanto isso poderia ser benéfico para a construção de uma sociedade igual e justa para todos, não importando gênero, cultura e raça.
Tenho a impressão de que Sagan escreveu essa obra como uma forma de lidar com todos os eventos loucos que tomaram conta do mundo durante a Guerra Fria, e acho que tendo em vista a nossa realidade atual, talvez seja por isso que esse livro mexeu tanto comigo enquanto eu o lia. Loucuras e incertezas são o que não faltam no presente momento e, o desejo por uma sociedade melhor nunca foi tão presente e necessário.
site: https://registrosdeumagarotacosmica.blogspot.com/2021/03/contato-1985-de-carl-sagan.html