z..... 29/09/2020
Edição Record (2003)
Acredito que o autor dá ênfase a luta dos negros na Bahia em dois direcionamentos, expressos em contexto individual e coletivo na década de 1930.
Refiro-me à exposição dos desdobramentos como lutas porque na prática é o que vemos no livro, em contexto onde há exploração, racismo e marginalização. Isso impacta quem vive nessas condições, motivando a busca por realizações. No primeiro momento caracterizadas pela postura individualista na obra, movida pela força e malandragem, como se fora o ideal de realização e superações no meio. No morro do Capa-Negro tem disso, com as crianças inspirando-se em arquétipos que atribuem com essas características, sejam personagens históricos (como os cangaceiros e Zumbi dos Palmares) ou sejam personagens de seu meio (como o líder espiritual da religião em que criam, para não citar nome que tachem em minha colocação de pejorativo - o Jubiabá - e o boêmio, malandro e capoeirista Zé Camarão). Não estou colocando cangaceiros e Zumbi dentro de um patamar igualitário, apenas referenciando a percepção de várias crianças no livro a eles, referente à projeção do marginalizado.
Nessa busca e projeção individualista formam-se os malandros e Antônio Balduíno é o protagonista centrado por Jorge Amado, a quem acompanha numa percepção sobre o homem e contexto vivenciado.
Na real, o individualismo almejado nada mais é que uma ilusão, um enganoso glamour, a que Balduíno padece consequências no contexto do morro, ao se envolver numa contenda com outros como ele, que tem na força e na malandragem a ilusão da conquista (o que acaba gerando um crime); depois no glamour com uma trupe circense, onde também se depara com outros que o exploram tal qual malandros e esse é um mundo que literalmente cai e mata em sua busca por projeção (quem leu o livro saca a que me refiro).
Jorge Amado conta histórias nesse individualismo, sem enveredar em algo que traga a percepção ou ilusão de caminho bem sucedido.
Essa foi minha percepção no contexto individual, que o livro mostrou comum.
A percepção coletiva, num segundo momento de desdobramento das lutas, vem da visão politizada do até então jovem escritor, onde Balduíno, vencedor com seus punhos em várias querelas pessoais, mas derrotado em muita coisa na vida, tem entendimento junto com outros de uma força maior por seus direitos, enquanto trabalhador, vinda da união de grupo, na força do movimento grevista por direitos vilipendiados e ignorados.
A história dá essa guinada e entendo como uma sinalização do autor para a luta por coisas não conseguidas no individualismo. Balduíno e vários operários juntam-se em favor de seus direitos e, mesmo não entendendo direito e sendo desafiados por essa novidade, acabam tendo na força coletiva reconhecimento por direitos que tinham, num basta à exploração.
O momento é tenso, desencadeante de forte reação e ameaças, acontecendo até morte nos dois dias relatados no romance sobre a greve.
É também interessante porque o autor, através de certas personagens de momento, desperta a criticidade da importância do movimento. Tem sujeito que cita a Lei Áurea como o fator desencadeante (numa alusão favorável à escravidão) e há frases que valorizam a luta coletiva - importante para a quebra de correntes ainda existentes. Acredito que o autor está aí cutucando o leitor.
Um dos maiores desafios dos grevistas foi lidar com a ameaça de desemprego por parte dos patrões e a classe de padeiros quase fura a luta em curso, por receios, mas a coletividade em sua força acabou sendo maior do que supunham.
Balduíno aprendeu muita coisa, da evolução de luta física para luta ideológica. Em certo momento de sua aprendizagem quase parte para detonar um sujeito (representante da classe de patrões), mas teve outros que o orientaram na causa.
União gerando entendimentos... força nos objetivos... experiência... aprendizagens necessárias, etc e tal.
Enfim, não é uma obra de história e dramas mirabolantes, existe visceralidade no retrato da sociedade e, sobretudo, uma indução à luta coletiva, valorosa no retrato que o autor apresentou.
Tem uma dose de utopia, mas as coisas, de fato, para acontecerem no que desejamos, requerem determinação e ação.
Vemos Antônio Balduíno no início como um explorado lutador, e nos despedimos dele como um operário consciente de direitos e da força coletiva.
Leitura na quarentena em Macapá...