Caio 20/10/2020
Grande clássico! Salve Jorge Amado, um humilde escritor.
CONTÉM ALGUNS SPOILERS DA OBRA ABAIXO:
Jorge Amado é reconhecido pela sua simplicidade, sinceridade nas suas obras. Aqui, no terceiro livro que conheço dele, não foi diferente. É uma obra importantíssima, revolucionária, única. Por quê? Jorge sempre deu voz ao povo simples, humilde, marginalizado, ao povo negro (denunciou o racismo), retratou as classes populares como ninguém. Deve ter outros escritores que também retrataram o povo e até melhor que Jorge, mas imagino que são poucos. Enquanto a maioria dos escritores brasileiros retratam a vida da burguesia geralmente no romance, Jorge consegue trazer o diferencial nos motivos citado antes: Classe popular é o protagonista da obra, é o tema principal do começo ao fim. Pouquissimos escritores retratam o povo como ele realmente é, o povo simples. Aqui no livro, o autor conta a história do Antônio Baduíno: um homem que vive no Morro do Capa Negro onde tem uma comunidade de pessoas simples, que estão em volta de inúmeras histórias do povo nordestino, das suas tradições, lendas de grandes figuras que ficaram marcadas na história, no imaginário daquele povo. É nesse ambiente que o Baldo viveu desde da infância como um garoto bringuento, sujo, fazendo malandragens na rua com outros muleques da mesma idade. Eu adorei quando retratou a lenda fantástica do povo que é a fígura assustadora do Lobisomem. As suas histórias, lendas são fantásticas. Vemos também como a figura do Jubiabá é importante em manter viva a memória da história do seu povo, principalmente na época da escravidão, dos seus ancestrais e da história sofrida de muitas pessoas que marcaram as gerações seguintes. Aqui mostra como Jubiabá é uma presença constante na vida do Baldo em diversos sentidos, como o Jubiabá é uma referencia direta para Baldo para que este possa ir recorrer a ele em casos de necessidade. Mas penso que o título do livro preenche bem a sua proposta, pois, mesmo psicologicamente, mentalmente, fisicamente o Jubiabá sempre é lembrado, referenciado pelo protagonista em diversos estágios da sua vida, da sua aventura e descoberta pessoal ao longo da sua trajetória. Aqui o livro retrata inteligentemente também como a mulher era tratada nessa época. Tanto a mulher passando pelo protagonista, como em outros personagens. Ouvi gente e li já algumas pessoas dizendo que o Jorge foi misógino com as mulheres na sua obra. Onde já se viu um negócio desse? Sempre o Jorge usou as suas obras como uma denúncia a essas barbaridades, e também mostra a realidade como ela é. Se existe o machismo, tem-se que mostrar como ele funciona, ele age na sociedade. Se ninguém retrata sobre o assunto não só nos livros, mas nas grandes mídias de comunicação em massa, como faríamos para conscientizar e resolver o assunto? Tem que falar do assunto e ponto final. Aqui não motiva a nada, sim só retrata a atitude, os pensamentos de pessoas ignorantes e machistas. Vamos ser sincero: Anos 30 era uma época muito mais dificil para as mulheres viverem, o sofrimento era maior, que em muitos lugares isso acontece até hj em dia mas a diferença que hj temos mais conscientização, temos mais formas de liberdade de expressão para pressionar por respostas e punições. Enfim, a obra do Jorge penso dessa maneira: retrato fiel da classe popular e sua composição. Outros pontos que falei que é o mais interessante da obra é como falei: retratar, construir e desenvolver a personalidade de Baduíno, retratar muito bem a sua trajetória até ele virar um líder grevista conhecido pela sua luta social. Como citei antes em outros posts, a parte do circo foi minha favorita: o autor mergulhou nessa grande parte do universo do circo com inúmeras camadas, personagens, dramas.Algumas ou maioria hj pode soar clichê, prevísivel mas imagine essa história sendo lançada em 1934? Outros tempos totalmente diferentes e reações do público totalmente diferente não acha? Enfim pela época principalmente foi um grande sucesso, essa obra foi responsável para alavancar a carreira de Jorge como escritor e muitos estrangeiros inclusive após lerem o livro, se sentiram atraídos para conhecer Salvador.
Além do mundo do protagonista, gostei também dos outros personagens que circulam no seu universo intimamente: Além de Jubiabá, o pai de santo, temos a Lindinalva que é retratada naqueles moldes tradicionais de romance de folhetim: A moça sonhadora, ingênua, que deseja casar com um príncipe encantado e viver feliz para sempre. Gostei do Gordo (amigo de Baldo), Joaquim, Zé Camarão, Mestre Manuel, além daqueles que tem uma participação menor mas que tem importancia na narrativa: Severino, Rosenda Rosedá, Luigi, Gustavo Barreira, Gustavinho, Amélia, Comendador Pereira etc. Todos pouco ou muito contribuem para narrativa linear do Baldo. Sua vida em vários estágios que além do circo, ele adolescente como morador de rua, no Comendador etc. Cada uma com suas características únicas. Uma mais direta, ou detalhista que a outra que se conectam muito bem e com aprofundamento, desenvolvimento interessante, além do desenvolvimento psicológico do personagem. Outro ponto importante da obra é que foi retratada a cultura, a tradição da religião africana Candomblé. Isso é extremamente importante, pois se torna necessário dá voz a cultura africana, a representatividade é necessária. O retrato das rezas, da reunião, rituais da religião ancestral foi genial. É o primeiro livro nacional onde vejo que um escritor retrata de forma respeitosa, fidedigna sobre o Candomblé, sua tradição, seus componentes e seu funcionamento. Não sei se todos sabem, J.Amado sempre lutou para que as religiões africanas tenham seu espaço com dignidade no Brasil, que as pessoas possam frequentar, praticar a sua fé com respeito, reconhecimento na sociedade. Além de ele ser candomblecista e conhecer profundamente a raiz da religião. Enfim o livro no final é fantástico, abre-se uma nova descoberta e novo horizonte. Outro ponto que queria citar para finalizar que além da escrita fluída, em grande parte profunda e algumas simples em contar as suas histórias, tem pessoas que dizem que a maioria das suas obras são propaganda comunista. Sim em certo ponto está certo pois aqui fala na teoria do etapismo por exemplo, e além do J.Amado ser um dos maiores intelectuais comunistas da sua época. Mas isso não tira a credibilidade do escritor, era sua ideologia política por um bom tempo até 1995. Para mim a 'panfletagem' ficou em segundo ou terceiro plano, o foco é retratar o povo. Como o mundo e muitas pessoas sempre demonizaram o comunismo, também tiram mérito do escritor, e o desrespeito é latente por ele ser comunista. É complicado. Mas a obra de Jorge resiste e esse livro é um dos meus favoritos da literatura brasileira sem dúvidas. Logo lerei o restante da sua obra pois ainda sou iniciante no seu trabalho. Vale muito a pena ver essa obra. Ganhou até adaptação para o cinema e para história em quadrinhos.
Nota: 5/5.