TatáVasconcelos 25/04/2018
A Menina Que Roubava – A Cena Nos – Livros
É difícil falar em Bonequinha de Luxo sem produzir uma imagem mental de Audrey Hepburn num tubinho preto, cheia de classe, segurando uma cigarreira, encarnada em Holly Golightly, com sua personalidade tagarela e inquieta, sua independência, e seu jeito espirituoso e extrovertido de encarar a vida.
Embora maravilhoso, o livro Bonequinha de Luxo, de Truman Capote, é somente a sombra do que o filme o tornou. Para começar, temos apenas uma vaga ideia de como Holly se comportava numa festa, pois não chegamos a vê-la realmente em ação. Toda a história é narrada por seu vizinho, a quem ela chama de Fred, o nome de seu irmão. O verdadeiro nome dele não chega a ser revelado, e, na qualidade de narrador-observador, esse amigo anônimo contou apenas o que viu e ouviu sobre Holly, de modo que todas as ações do livro acontecem somente dentro do apartamento dela, ou dele, e no bar do Joe Bell, que ambos frequentavam às vezes. Fred e Holly somente saem destes ambientes poucas vezes: quando ela o conduz a roubar uma máscara de festa numa lojinha – uma das cenas mais descontraídas do filme –, uma vez em que ele a vê entrando na biblioteca para tomar notas de algum assunto – provavelmente sobre o Brasil, pois José já aparecia em seu círculo social na época –, quando passeiam a cavalo no Central Park, e quando ele a leva ao aeroporto para tomar o voo para o Brasil.
Então é de se esperar que as ações fiquem limitadas a um número restrito de personagens. Exceto que Holly recebe muitos amigos em seu apartamento todas as noites – em sua maioria homens –, e Fred acabou sendo convidado para participar de algumas dessas festas.
No filme ficou apenas subentendido, mas o livro deixa claro que Holly era uma garota de programa – pode ficar tranquilo(a), porque o livro não possui nenhuma cena erótica. É uma história bela, sem precisar apelar a vulgaridades –, que somente acompanhava homens ricos, com quem ela pudesse sonhar em se casar um dia, e se tornar uma mulher respeitável. E embora mencione muitas vezes ao longo da narrativa, não chegamos de fato a vê-la pedindo dinheiro aos cavalheiros para ir ao toilette retocar a maquiagem.
O filme faz diversos contrapontos à história do livro, tornando-se mais ou menos oposto a ele em muitos aspectos: enquanto no filme Holly se muda para Nova York para buscar o sonho de se tornar uma famosa atriz de Hollywood e casar-se com algum ricaço, no livro, Holly teve sua oportunidade de se tornar uma atriz famosa, e fugiu disso, convencida de que jamais poderia ser feliz em tal trabalho.
Em sua jornada em busca da felicidade, Holly é apresentada com uma personalidade frágil e confusa. Também tem um quê de ingenuidade, pois parece não se dar conta de que seu amigo mafioso Sally Tomato, a quem é paga para visitar todas as quintas-feiras na prisão, a usa como mensageira para passar informações aos seus comparsas do lado de fora, codificadas em forma de “previsões do tempo”.
O filme também faz uma pequena correção em relação ao livro: o diplomata brasileiro com quem Holly almeja se casar possui um sobrenome nada brasileiro no livro, Ybarra-Jaegar. Embora o autor explique que a mãe de José era alemã, isso não explica o sobrenome Ybarra, que soa mais hispânico que português. No filme, para evitar polêmica etimológica ou regional, o sobrenome de José foi trocado para “da Silva Pereira”. Agora, sim, acredito que é meu compatriota. Exceto por seu intérprete, que era natural de Madri.
Algo que chama a atenção e chega a ser irônico é que, embora o título original seja Breakfast at Tiffany’s (Café da Manhã na Tiffany’s), no livro, Holly não é mostrada na famosa joalheria de Nova York nem uma única vez; apenas é mencionado que ela gosta de ir lá quando se sente deprimida. Ela também costuma comparar a felicidade que procura à sensação de observar as vitrines da Tiffany’s pela manhã.
O final dos personagens no livro também é completamente diferente do filme.
Pessoalmente, gosto mais da história de Holly Golightly no filme. É melhor em muitos aspectos: da cenografia à escolha dos atores, o desenvolvimento dos personagens, o figurino, as festas... Há um glamour em Bonequinha de Luxo, uma magia que somente o cinema soube transmitir. E acima de tudo, o filme tem Audrey Hepburn, e nenhuma outra atriz antes ou depois dela interpretaria Holly Golightly com tanta maestria. Ela capturou perfeitamente todos os traços que tornavam Holly uma das personagens mais irresistíveis da literatura mundial. Ela é a pepita de ouro que brilha numa história mais ou menos, e transforma uma história sem grandes ações ou pretensões, numa das mais deliciosas de todos os tempos.
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