spoiler visualizarLaura Soares 25/11/2020
Altos e baixos
O fazedor de velhos, de Rodrigo Lacerda, organiza-se a partir de uma linguagem simples e coloquial para dar vida à jornada de Pedro - protagonista e narrador da história -, em sua busca pelo autoconhecimento e pela realização pessoal. Embora a premissa seja interessante, o livro tem seus altos e baixos.
No início da história, Pedro é um personagem de 16 anos, portanto imaturo e passível de erros. Embora nascido em uma família de classe (média?) alta, ele se demonstra quase inconsciente de seus privilégios. Há uma série de descrições feitas por ele que simplesmente não condizem com a realidade vivida pelo brasileiro "comum": intercâmbios para os Estados Unidos, passeios em metrópoles, a existência de uma avó que o leva para montar em um leão de circo (que tipo de vó faz isso?). Sua vida quase perfeita soa, por vezes, forçada.
No entanto, é esse cenário que também proporcionou que Pedro tivesse desde cedo contato com a leitura de clássicos. Ele se demonstra um amante da Literatura, recontando histórias de um jeito simples, e sendo capaz de tecer análises sobre os livros que leu, e os personagens que encontrou, atrelando-os, por vezes, a situações de sua vida e a filmes que assistiu.
Esse é um ponto positivo da história: o trabalho com a metalinguagem, pois Pedro passa a refletir sobre o próprio processo de escrita, e a formular teorias tal qual um escritor. Conforme suas influências literárias passam por Shakespeare e Eça de Queiroz, percebe-se que a essência da história não se encontra na vida banal do protagonista, mas em seu processo para entrar em contato profundo com a Literatura. Principalmente para o leitor que gosta dessa temática, a história pode se tornar muito interessante - em alguns momentos, porém, torna-se maçante, quase pedagógica, e Pedro me passou a impressão de ser um professor ensinando a seus alunos.
Esses pensamentos de Pedro são desencadeados quando ele começa a ter dúvidas em relação a seu curso da faculdade. Para saná-las, ele procura o Fazedor de Velhos - o professor Nabuco, um perfeito arquétipo de mentor. Lembrando, em sua excentricidade, a figura de Sherlock Holmes ou do professor Lidenbrook (Viagem ao Centro da Terra), Nabuco é o responsável por auxiliar Pedro durante sua jornada, dando-lhe, tal qual um personagem de contos de fadas, três tarefas que, ao serem finalizadas, completariam uma espécie de rito de passagem para a fase adulta. Ele é provavelmente o melhor personagem da história: é complexo, multifacetado, e experiente.
Outra personagem interessante da história é Mayumi, cuja personalidade contrasta com a de Pedro. Mayumi mostra que uma pessoa pode ter várias características - ser forte, mas sensível; amorosa, mas racional. É obviamente mais madura que Pedro, de forma que é mais fácil gostar dela do que dele.
Meu outro problema com Pedro - um dos principais - é que ele constantemente se desvaloriza, colocando-se em segundo plano, e repetindo que possui "preguiça mental". As descrições que ele faz de si mesmo são de péssimo gosto, e ele utiliza expressões como "demente", "paralisia encefálica", todas em sentido pejorativo, o que, em um texto do século XXI, é inconcebível. Essa questão, sozinha, tornou difícil meu apreço por ele (e pelo livro!)
O ponto alto da história é, certamente, seu desfecho, com a volta de Mayumi, como uma recompensa pelo tempo de separação que ela e Pedro passaram; o encontro de Pedro com sua real vocação, a escrita; e a morte do velho Nabuco - uma cena emocionante, mostrando que o Velho esteve presente em tudo, já que o livro começa por causa dele e termina em sua morte. A partir da experiência que teve com ele, Pedro se torna apto a continuar sua vida e a ter uma percepção melhor da própria existência, finalizando com a noção de que os deuses tiram as vidas das pessoas, mas também as fazem nascer.
Fato interessante: há outras referências literárias implícitas na história. A cena da sombra, além de remeter a Peter Pan, como o próprio Pedro afirma, lembra também os fantasmas de Scrooge de Charles Dickens.