Mari 21/05/2021
“Do mesmo sonho que se vivia também se podia morrer.”
Ler “A Casa das Sete Mulheres”, romance histórico de Letícia Wierzchowski, estava nos meus planos há anos, principalmente motivada pelas boas lembranças que eu guardava da adaptação da Rede Globo de 2003.
Acompanhar os relatos de uma guerra verdadeira e duradoura como foi a Revolução Farroupilha (1835 - 1845) é experiência intrigante e dolorosa por essência. Eu me recordava vagamente de algumas das mulheres da família do general Bento Gonçalves da Silva, mas conhecê-las melhor através do livro foi surpreendente. Elas se revelam mais admiráveis e humanas do que eu me lembrava. A narrativa se alterna entre relatos em terceira pessoa e o olhar de Manuela, que nos descreve, em seus cadernos, os sofrimentos pessoais e o cotidiano da família, que ficou dividida com os homens na batalha e as mulheres protegidas em uma estância afastada dos conflitos.
O que mais cativa na obra é a profundidade dos sentimentos consequentes dos eventos imprevisíveis da guerra. Se de um lado, muitos homens lutaram e entregaram suas vidas em sacrifício pelo ideal da República Rio-grandense, de outro, temos acesso ao secreto convívio das mulheres que, distantes das armas, lutavam com sua fé e seus temores. Estar distante dos eventos e aguardar as notícias com paciência inabalável se torna um desafio mais angustiante a cada ano que a luta se estende. São pais, irmãos, tios, maridos e filhos ceifados por um ideal que vai perdendo sentido à medida que o desespero as domina e a vitória não é alcançada.
Ler sobre a perspectiva da espera cercada pelas paredes e muros da casa tem um interessante paralelo com o momento que vivemos de quarentena, o que me permitiu poder sentir uma pequena parcela da angústia dessas mulheres. Afinal, estamos em um tipo de batalha diferente, em que o número de mortes cresce mais a cada dia.
Com destinos tão distintos, Manuela, Mariana, Perpétua, Rosário, Maria, Ana e Caetana nos abrem os olhos para o que era ser mulher no Brasil do século XIX. O que se esperava de uma mulher era a paciência infindável de aguardar por seus homens e acolhê-los com plena disposição sempre que retornassem. Cada uma dessas sete mulheres viveu conforme seu poder e capacidade de lidar com a dor de perdas e traições. Por meio de suas personalidades bem diferentes, sentimos um pouco de como foi ter vivido naquela época, sofrendo, sonhando e experimentando o desafio de ser a fonte de vida, força e esperança de si próprias e de seus homens. Por todo seu potencial narrativo, riqueza de descrições e importância histórica, certamente é uma obra épica que merece ser mais lida e recomendada em nosso país.