Kelli 15/12/2012
ESTIGMAS NO CORAÇÃO DO PAMPA
Um grande ícone da Literatura rio-grandense, Leticia Wierzchowski, nasceu em quatro de junho de 1972, em Porto Alegre, RS. Depois de abandonar a faculdade de Arquitetura e a confecção de roupas que possuía, foi trabalhar juntamente com seu pai no escritório de construção civil da família. Nessa época começa a escrever obras de ficção. Estreia com o romance O anjo e o resto de nós, em 1998 – relançado em 2001 –. Um ano depois a publicação de Eu@teamo.com, baseada na sua história romântica com o marido, e também Prata do tempo. No ano de 2002 chega ao auge da carreira com A casa das sete mulheres. Depois lança diversos livros: O pintor que escrevia, 2003; Cristal polonês, 2003; Um farol no pampa, 2004 – continuação da saga A casa das sete mulheres; Uma ponte para Terebin, 2005; De um grande amor e de uma perdição maior ainda, 2007; Os aparados, 2009; Os Getka, 2010. Entre esses há obras infanto-juvenis: O Dragão de Wawel e outras lendas polonesas, 2005; Todas as coisas querem ser outras coisas, 2006; O menino paciente, 2007; Era uma vez um gato xadrez, 2008.
A casa das sete mulheres retrata a Guerra dos Farrapos sob o ponto de vista da mulher gaúcha, sua espera e dor. Com os altos impostos, o preço do charque se elevou e os conflitos provenientes do descontentamento do povo sulino eclodiram numa revolta popular. Diante da resistência do império, mais tarde se tornaria a Revolução Farroupilha, uma luta em favor de um ideal: a liberdade de um povo e de uma terra. Com o desencadeamento da Revolta, o coronel e líder do movimento, Bento Gonçalves propõe às mulheres de sua família o isolamento na estância da Barra. Com o intuito de protegê-las, porém, não imaginava que jamais poderia poupá-las psicológica e emocionalmente dos acontecidos no decorrer daqueles dez anos longos e devastadores naquele pampa.
Leticia expõe o diário de Manuela, sobrinha de Bento, a única pessoa a prever os maus presságios que 1835 carregava em suas entranhas e, a narrar de forma exímia o sofrimento de suas parentas. As mulheres mais moças da família, habituadas com a vida social agitada e os bailes de Pelotas, se deparam com o tédio e rotina maçantes, desprovida de novidades, salvo as vezes em que o coronel trazia ou encaminhava revolucionários para a estância. Já as mais velhas, irmãs do coronel, são o alicerce da casa. Mostram-se fortes nos momentos mais conturbados: na morte de Paulo e Anselmo – maridos de D. Ana e Maria Manuela, respectivamente –, e também no fim trágico de Pedro – filho de D. Ana –, na prisão de Bento e nos delírios de Rosário, apaixonada pelo fantasma de Steban, imperial uruguaio morto em combate.
A monotonia e os tempos de guerra, contudo, não impedem que as moças, Perpétua e Mariana, se apaixonem, casem e formem suas próprias famílias. A primeira encontra um charqueador estancieiro a favor da revolta, na época, delegado da cidade de Rio Pardo, que depois de viúvo, lhe faz a corte e com ela se casa. E Mariana enamorada por João, peão recém-chegado a estância, engravida. Depara-se com a rejeição da mãe Maria Manuela, que ao saber do acontecido a deixa confinada em seu quarto durante três meses, enquanto João vai unir-se as pelejas. Findo esse período, D. Antônia, angustiada com a situação da sobrinha a leva para sua estância para cuidar-lhe a saúde. Com o retorno de João, devido à amputação de sua mão direita, o casal é acolhido pela tia da moça, e passa a residir na Estância do Brejo.
A vinda do italiano Giuseppe Maria Garibaldi com marinheiros de diversas nacionalidades para a Estância do Brejo tinha como finalidade a construção de barcos para o propósito de conquistar as águas internas do estado. Durante a estada desses, o clima de excitação reinou entre as moças. E, como efeito colateral, surge a devastadora paixão entre Garibaldi e Manuela, a mais moça da casa. Prometida a Joaquim, seu primo, ela é impedida de dar continuidade a sua intenção de casar-se com o italiano. Apesar de eles noivarem às escondidas, o destino, sempre implacável, o leva para longe de sua amada. Mesmo com as promessas de retornar quando a guerra findasse, Garibaldi, no meio de tantas pelejas, apaixona-se por Anita, uma corajosa guerreira que abandona o marido para ficar ao seu lado. O marinheiro que outrora fazia juras de amor a Manuela, escolhe por ficar ao lado de Anita, cujo espírito livre e aventureiro se assemelha ao seu. Deixa assim, uma Manuela arrasada por um amor a que foi fiel até sua morte. “Noiva de Garibaldi”, como fica conhecida no Rio Grande.
Bento Gonçalves, eleito presente República Rio-Grandense encontrava-se preso quando essa foi declarada. Mas o gaúcho de personalidade forte e astuto por natureza, encontra na transferência para o Forte do Mar, Bahia, uma oportunidade de fugir. Praticando natação todos os dias no mar, aproveita-se de uma distração de um guarda e foge a nado da prisão. E enfim regressa ao seu Rio Grande, tão adorado. Retorna para tomar as rédeas de suas lides. Para felicidade de Caetena, sua esposa, que muito sofreu, sem nunca perder a postura, por seu marido e filhos tão expostos naquelas pelejas. Com a morte de três homens da família Gonçalves da Silva o desejo de vitória e vingança se intensifica entre os sobrinhos e os filhos de Bento, os quais vêm do Rio de Janeiro para pelear ao lado do pai.
Rosário, no decorrer da guerra e de sua loucura, se torna silente e distante. Apenas a sombra da moça meiga e jovial que outrora fora. Seu amor impossível a atormenta e a alimenta ao mesmo tempo. Maria Manuela presenciando agoniada os delírios de sua estimada filha, encontra uma única solução plausível: mandá-la para o convento. A jovem continua a encontrar-se com o fantasma do oficial, mantendo incursões noturnas pelo convento. E, no auge da paixão insana, crava no peito uma espada que seu Steban lhe dá. Quando as freiras encontram-na morta, no dia seguinte, ficam abismadas, sem entender de onde surgira aquela espada uruguaia, tão antiga.
Com a renúncia de Bento do seu posto de presidente e muitas tentativas de acordo, cansados já de guerrear, os farrapos assinam, finalmente, um acordo de paz, que concede anistia aos revoltosos e liberdade aos escravos. As cicatrizes, no entanto, permaneceram no seio do povo farroupilha. Cicatrizes de um luta, de um sonho não realizado, de um ideal não conquistado. Na vida desses heróis, que tanto perderam para pouco ganhar.
Ao leitor que não aprecia o sentimentalismo transcrito numa obra, essa não é recomendável, pois pode, muito provavelmente, entendiá-lo. Apesar dessa característica, a autora segue habilmente a risca os acontecimentos da Revolta, misturando realidade e ficção, o que, deve-se dizer, teve um resultado extraordinário. O livro é, conforme se constata, uma agradável ferramenta de apoio para a história rio-grandense. A autora deixa uma obra-prima em formato de livro para as futuras gerações gaúchas.