Vanessa Bittencourt 02/12/2014Alex Broccoli tem dez anos e ninguém além dele mesmo pode ver o seu único amigo. Seu nome é Ruen, um demônio de nove mil anos e quatro facetas: a Cabeça de Chifre, o Monstro, o Menino Fantasma e o Velho. Ruen assume uma faceta diferente de acordo com a situação. Quando a mãe de Alex tenta suicídio, a psiquiatra Anya é convocada para cuidar do menino. O encontro com Alex reacende diversos problemas pessoais de Anya, envolvendo sobretudo seu histórico familiar de casos de esquizofrenia. De modo geral, ela procura entender quem é Ruen e proteger Alex de si mesmo, ao mesmo tempo em que tenta lidar com seus próprios fantasmas (ou quem sabe demônios?).
A trama se passa na Irlanda Norte, terra natal da autora, e de certa maneira nos faz refletir sobre os possíveis efeitos psicológicos nas gerações mais novas após décadas de tensão política e religiosa e muita violência e repressão. Para quem não está familiarizado com o contexto, entre os anos 60 e 80 os conflitos entre a comunidade católica separatista e os protestantes que defendiam a permanência da Irlanda do Norte no Reino Unido resultaram em atentados e milhares de mortes. Infelizmente o Sunday, Bloody Sunday cantado pelo U2 foi um episódio bem real. O IRA, Exército Republicano Irlandês, é a primeira referência quando pensamos no conflito e ao longo do livro descobrimos que Alex não está tão distante deste quadro de tensão.
Alex tem uma relação complexa com Ruen, ora necessitando da sua companhia, ora sentindo temor diante dela. O demônio faz muitas promessas e exigências para manter a conexão com o menino e, em certa medida, o controle sobre ele.
Não posso deixar de mencionar duas coisas muito importantes presentes no livro: o teatro e a música clássica. Alex está envolvido com uma apresentação teatral. A peça em questão é Hamlet, justamente a obra que mais gosto de Shakespeare. Alex interpreta Horácio, um dos primeiros a ver o Fantasma na peça. Coincidência? Claro que não! Já a música tem muito destaque na vida de Anya, que além de psiquiatra é pianista. Esse também é o elo entre Anya e Ruen.
O Menino Que Via Demônios é um livro angustiante, emocionante e envolvente. Os capítulos se alternam entre o diário do menino e a narrativa de Anya. Essa construção é interessante porque permite que cada leitor se envolva profundamente com o caso de Alex e de duas maneiras diferentes. Minha promessa é: aguardem um excelente final de livro.
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