Mawkitas 04/10/2023
Olhares que idealizam e desumanizam o feminino
As Lisbons são 5 irmãs adolescentes, brancas, loiras, de uma família católica dos anos 70 que se suicidam em um período de cerca de um ano. Divididas entre duas tendências extremas conforme crescem, as meninas tentam cavar um espaço de existência possível demonstrando uma capacidade de resistência verdadeiramente admirável mas que eventualmente não é suficiente para fazer frente às grandes pressões a que estão submetidas. Se por um lado são alvo de adoração, tesão e um caminhão monstro de idealização desumanizante por parte dos meninos e homens de sua comunidade, por outro encontram em casa uma educação religiosa repressora que veda quase que completamente o acesso a processos de individuação e de expressão e vivência da sexualidade.
Entregues às expectativas infladas da família e dos homens, ninguém vê as meninas, ninguém as ouve realmente, ninguém se importa com quem elas são. Dessa forma, mesmo imersas em um sofrimento psíquico enorme, as Lisbons não são consideradas pelo que há em cada uma delas de subjetivo, de singular. A leitura é angustiante pois conforme o livro avança constatamos a negligência extrema da qual as irmãs são vítimas: não há nem o pudor de uma tentativa meia boca de disfarçar o que acontece. E o que todos esses maus tratos amplamente perceptíveis geram em todos que se comprazem em observar as meninas? Curiosidade, pena, fantasias heroicas bem patéticas em que se imagina salvar - e seduzir, beijar, bolinar, comer - as Lisbons. Qualquer fiapo de imaginação voltado para proteger ou cuidar das adolescentes morre logo na casca, tanto em função da passividade das pessoas quanto da insinceridade de suas intenções.
Romantização do sofrimento feminino, normalização da cultura de estupro e idealizações que desumanizam e isolam as meninas, foi isso que eu li de cabo a rabo.