Vê 01/08/2014Eis aqui mais uma leitura extraordinária do gênero fantasia. Um livro longo, mas tão bem desenvolvido e rico em detalhes que foi capaz de criar um ambiente totalmente novo, um cenário fantástico que possui as Trevas como pano de fundo. É isso mesmo, em A Filha do Sangue, não temos aquela típica batalha épica entre bem e mal, mas há apenas o mal por aqui. Trevas e mais trevas. E foi exatamente isso que mais me chamou atenção.
Somos apresentados a uma sociedade dos Sangue, uma raça mágica que não são bem vampiros, mas uma espécie de seres que se utilizam da Arte (magia) para praticamente tudo. Ela está dividida em castas e os homens tornaram-se escravos sexuais das rainhas, portando Anéis de Obediência em seus órgãos genitais, podendo ser controlados e torturados através deles a servirem suas Senhoras. Com várias categorias dentro dessas castas, o poder é medido através da cor da pedra que lhes é dada por direito de progenitura durante uma cerimônia de iniciação, de oferenda às Trevas; quanto mais escura for a pedra, maior será o seu poder.
Há algum tempo, uma profecia foi feita de que uma Feiticeira estava a caminho. Mas ela não seria qualquer feiticeira, mas A Feiticeira, detentora de um enorme poder, mais poderosa do que qualquer ser que já existiu. Essa esperança alimentou Daemon SaDiablo, o Sádico, um escravo usuário da Pedra Negra, a mais poderosa, que estava disposto a servir a essa Rainha que poderia guiá-los em direção à liberdade e igualdade.
Desde que fez a oferenda, Daemon foi mantido na corte de Dorothea, sendo obrigado a satisfazer todas que a Rainha indicasse. Revoltado e muito resistente, ele aprendeu aos poucos a fazer uso de seu poder e passou a tocar o terror na corte, sendo apelidado de Sádico. Incapaz de ser domado, todos os temem, mas nem por isso o libertam. Quando está na presença de Lucivar, seu meio irmão por parte de pai, os dois tornam-se uma dupla infernal, capaz de destruir uma corte inteira. E, se tem algo em que os dois concordam, é que resistirão até o final e não deixarão que sejam dominados pelas Sangue que tem difamado a honra da raça e dos seus propósitos verdadeiros.
Quando Jaenelle, a Feiticeira profetizada, chega, ela procura por Saetan SaDiablo, o Senhor do Inferno, o Supremo Sacerdote. Homem de intenso poder e detentor da Negra também, ele e Daemon são incrivelmente poderosos, mas desentendimentos do passado fizeram com que eles fossem separados e, desde então, evitassem cruzar o caminho um do outro. A jovem Feiticeira será o elo que unirá esses dois homens. Com o comportamento ora da criança que ela realmente é, ora de uma poderosa e impiedosa mulher Feiticeira, Jaenelle é capaz de deixar todos os adultos a seu redor de cabelos em pé com a facilidade com a qual domina certos feitiços difíceis e terríveis ao mesmo tempo em que faz perguntas inocentes e infantis e age de modo descuidado. Essas duas faces da menina são motivo de diversão e assombro durante a história. Ela é inconsequente e seu intenso poder foge ao seu controle, estando ainda na idade de ser moldada por ideias tanto sombrios e cruéis quanto bondosas. Caberá a Daemon, Saetan e alguns outros seletos Sangue ajudá-la a trilhar o caminho para a salvação da Raça; mas haverá aqueles que desejarão colocar as garras na Feiticeira a todo custo.
"- Criança-feiticeira, acertar as bolas de um homem pode ser uma forma eficaz de lhe chamar atenção, mas não é algo que uma criança deva fazer. - Estremeceu quando Jaenelle centrou nele toda a sua atenção.
- E por que não? - interrogou. - Um amigo me disse que era isso que eu deveria fazer se um macho algum dia me agarrasse por trás. Ele me fez prometer.
Saetan ergueu uma sobrancelha.
- Esse amigo é macho?
Muito interessante."
(pág. 83)
Apesar da enorme quantidade de personagens e da garantia de que Jaenelle é a protagonista desta história, acredito que ela não seja mais do que mera participante. Durante a narrativa, acompanhamos muito mais as histórias de Saetan, Daemon e Surreal que a menina fica bem em segundo plano, principalmente por ficarmos no escuro a respeito de muitas coisas que ela faz. Se fosse para escolher, diria que Saetan e Daemon são os verdadeiros protagonistas do enredo de A Filha do Sangue e jamais me arrependeria. São homens poderosos, com princípios honrados e divertidos de se acompanhar. A vida na corte não é nada fácil e, embora o comportamento de Daemon seja cruel, ele é totalmente justificável e digamos que suas vítimas tem o que merecem.
Saetan, por outro lado, assume o papel de pai de Jaenelle e é atencioso e preocupado com os rumos e perigos que a menina pode estar enfrentando quando não está em sua companhia no Inferno. Os homens SaDiablo são simplesmente apaixonantes. Podem estar vivendo a pior das situações, mas basta que Jaenelle chegue para que seus dias iluminem-se e eles se derretam completamente. Apesar de pensarmos que Lucivar irá aparecer bastante na narrativa, ele fez bastante falta, fazendo aparições isoladas. Tenho certeza de que, se a autora tivesse explorado sua explosão quando junto de Daemon, as coisas teriam ficado ainda mais interessantes (se isso for possível).
No começo, achei Jaenelle exagerada. Uma garota de sete anos detentora do maior poder que a história dos Sangue já viu? Algo não estava certo. Seu comportamento ora infantil ora maduro encaixou-se muito bem nessa personalidade conflitante dela, uma criança que amadureceu rapidamente, mas que tem muitas coisas que ainda não entende da vida. Embora a maioria dos adultos que a cerca procure protegê-la do mal e das coisas ruins, logo percebemos que ainda há aqueles que lhe proporcionam experiências aterrorizantes.
Eu a achei muito misteriosa e abusada, mas, conforme vamos descobrindo o que ela realmente esconde na cidade onde nasceu, a questão toda muda de nível e nos deparamos com um cenário terrível e surpreendente. Apenas depois de eu ter compreendido o que se passava com essa menina é que liguei seu comportamento volátil ao que ela vinha vivenciando. Realmente a sacada da autora foi sombria, mas inegavelmente brilhante!
Existem diversos aspectos que tornam A Filha do Sangue uma leitura mais do que especial. São as Trevas nas quais a história se desenrola, são os poderes dos quais os Sangue se utilizam, é toda a sensualidade que transborda das páginas, o sofrimento e os terrores de uma corte destituída de qualquer pudor, a crueldade que espreita nos capítulos. Com um desfecho aterrador, posso dizer que a Trilogia das Joias Negras foi iniciada com maestria. Eu nunca tinha lido qualquer coisa parecida e esse ineditismo me ganhou e me assombrou de tal forma que fiquei muito tempo refletindo sobre o que eu havia lido, para poder absorver todas as novas informações e encaixá-las em seus devidos lugares.
Um personagem que me surpreendeu muito, que eu achei que não iria gostar de jeito nenhum, foi Surreal. Uma prostituta e matadora de aluguel que se mostrou uma jovem assustada que procurava vingar a morte da mãe. Grande e forte mulher que chamou a atenção desde sua primeira aparição e fui crucial para os acontecimentos finais. Definitivamente, A Filha do Sangue foi espetacular, destruidor de corações e eu terminei o livro com um desejo insaciável por mais. Me apaixonei totalmente pelos homens SaDiablo e espero que eles sejam ainda melhores nos próximos livros. Anseio por uma maior aparição de Lucivar, pois sua participação com Daemon seria impagável! Essa família de machos poderosos chegou para arrebatar corações e Anne Bishop inovou minha visão mais uma vez sobre o gênero fantástico. Inacreditável e perfeito!
Mais uma vez a Saída de Emergência Brasil arrasou na diagramação e na capa, que ficou maravilhosa! Os índices, com relação de personagens principais, jóias e suas cores e poderes e castas foi essencial para que eu pudesse acompanhar a grande quantidade de informações que o livro despeja em uma narrativa fluida, ágil e com capítulos longos divididos em subcapítulos rápidos que se passam em diferentes regiões d'O Reino Distorcido. Fantástico mesmo.
Infelizmente, novamente me deparei com vários erros na revisão, mas, uma vez mais, o brilhantismo do livro sequer foi afetado por esses detalhes técnicos. Uma história incrível, maravilhosa, apaixonante e devastadora. Vale muito à pena mergulhar de cabeça nessa leitura (se você não se aguentar, como eu, dá para ler em apenas dois dias!), mas estejam atentos à amostra do segundo volume ao final: eu não arrisquei ler porque quis preservar minha sanidade enquanto aguardo o próximo título, que virá apenas em Novembro deste ano. Tentando manter as peças unidas, ainda levarei tempo para me recuperar de A Filha do Sangue. Sem mais palavras para descrever tamanha grandiosidade de enredo!
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http://onlythestrong-survive.blogspot.com.br/2014/07/resenha-filha-do-sangue-anne-bishop.html