Ricardo Silas 24/07/2016
Antes bêbado, agora sóbrio
O que mais me encanta em certos livros de divulgação científica é a habilidade do autor em atrair o público leigo e satisfazê-lo com a aprendizagem de assuntos densos, sem, é claro, distorcer a complexidade do objeto explanado. Gosto quando a escrita encontra o equilíbrio entre o leitor expert e o ignorante. Creio ser esta a condição ideal que torna prazeroso o estudo dos livros de ciência. Embora muitas informações de O Andar do Bêbado sejam difíceis de absorver, seria injusto acusar Leonard Mlodinow de cometer obscuridades discursivas. Devemos reconhecer a existência de temas verdadeiramente difíceis, cuja simplificação exagerada poria em risco a própria credibilidade de quem os explica. Durante a leitura, tive inúmeros contatos com informações do ramo da matemática, da lógica e da física, áreas que sempre subjugaram minha modesta trajetória de aprendiz. Por um lado, eu estaria mentindo se dissesse que não aprendi nada; por outro, eu estaria sendo presunçoso se disse que aprendi tudo. Eis o equilíbrio.
Muitos raciocínios me iluminaram, tanto por sua clareza de explicação quanto pela compreensão que daí obtive. Mas engana-se quem pensa ser este livro um compêndio de cálculos, fórmulas, teoremas e exaustivas sequências numéricas. Ao contrário, aprender sobre como os eventos aleatórios incidem em nossas vidas requer mais que apenas números. Sabendo disso, Mlodinow enriqueceu suas pesquisas e seu trabalho com ótimas viagens históricas, começando pela geometria dos antigos gregos, atravessando a Revolução Científica e a Revolução Francesa até chegar nos dias atuais. Nos breves intervalos entre as explicações teóricas, vemos um resumo biográfico dos grandes investigadores do acaso e da aleatoriedade. O legado desses matemáticos, físicos e filósofos revela que o nosso cérebro, consciente ou inconscientemente, enxerga padrões e vê significados onde eles não existem, ou deixa de vê-los onde eles existem.
Com base nessa percepção distorcida da realidade, fazemos julgamentos às vezes até preconceituosos contra o mundo ao nosso redor. Quando vemos um empresário bem-sucedido, somos impelidos a crer que seu sucesso é fruto de dedicação, esforço, persistência e várias outras qualificações empreendedoras, como se os escolhidos tivessem atributos especiais, uma essência diferenciada de todas as demais pessoas que fracassaram. Assim, milhares de analistas financeiros, empresários e homens de negócio elaboram uma lista dos ingredientes que constituem a receita para o sucesso, porém ignoram o mais importante: o triunfo profissional de um indivíduo é, sobretudo, influenciado por um conjunto de coincidências, acasos e por eventos fortuitos dos quais não se tem nenhum controle. Tanto isso é verdade que existem milhares de pessoas dotadas de inteligência e sagacidade financeira, mas que, por azar, acabaram desafortunadas, na requenguela.
Isso sugere que não são apenas nossas qualificações pessoais que garantem um futuro promissor, mas sim um intrincado de eventos prováveis e improváveis de ocorrer, desde um acidente de trânsito, um ônibus atrasado ou ainda, tal como propõe a tese do efeito borboleta, um mero um gole de café antes de sair de casa. Outro exemplo é visto quando nossa intuição nos leva a crer que, após repetitivas sequências de "caras" no lançamento de uma moeda, virá a tão aguardada "coroa" da próxima vez. Pensamos: "bem, já caiu 'cara' vezes de mais, então estou pressentindo que agora é a vez de cair 'coroa'". Eis aí o risco de estarmos enganados. O andar do bêbado é isso: a aleatoriedade, a soma de eventos que sequer sabemos que ocorrem, tudo isso permeia a vida de todas as pessoas da Terra, em qualquer época ou lugar.
Em mais um excelente livro, Mlodinow nos convida a fazer uma caminhada científica, não em passos ébrios, mas sim em passos firmes e sóbrios, rumo a esse universo desconhecido do acaso. De minha parte, desejo-lhe sorte em sua jornada...