Reccanello 10/07/2023O que fazer com o tempo que nos é dado?Segundo especialistas e fãs, quando disse a Frodo que “tudo o que temos de decidir é o que fazer com o tempo que nos é dado”, Gandalf teria ensinado tudo o que é preciso saber sobre a vida. Sim, é verdade! Ainda assim, conquanto Dino Buzzati diga a mesma coisa que o Mago Cinzento, a forma como o autor italiano mergulha o leitor em sua narrativa psico-filosófica também transcende barreiras de tempo e de existência.
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Recém nomeado oficial, e ainda cheio de sonhos de glória e de destaque no campo de batalha, Giovanni Drogo assume a patente de Tenente no Forte Bastiani, um posto avançado localizado em um deserto inóspito, na fronteira final com o nunca nomeado reino do Norte. Imediatamente percebendo-se cercado por mistérios e incertezas, Drogo ainda faz um esforço para voltar atrás e desistir de sua missão, mas se vê subitamente enredado em uma rotina militar monótona, arrastada, desoladora e sem propósito aparente, que o irá consumir totalmente até seus dias finais.
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Explorando temas existenciais e psicológicos profundos, Buzzati faz da espera angustiante e interminável de Drogo pela guerra sempre iminente com os tártaros uma metáfora para uma busca por sentido e significado na vida, evocando reflexões sobre nossa condição humana, nossas expectativas, esperanças e a inevitabilidade da passagem do tempo e da morte. Através de uma atmosfera surreal e onírica (cercado por montanhas, o Forte Bastiani é constantemente envolto em névoas e a fronteira fica muito além do campo de visão de seus soldados), Buzzati habilmente transita entre a realidade e o sonho, fundindo elementos fantásticos com uma narrativa bastante sóbria, permeando o romance com uma constante sensação de prisão e de vazio. Esta fusão entre o real e o imaginário é um reflexo da luta de Drogo para encontrar significado e propósito em um mundo desprovido de certezas. A linguagem precisa e elegante de Buzzati praticamente enterra o leitor na psique dos personagens, e as descrições detalhadas do deserto e do forte criam uma atmosfera visualmente poderosa, que destaca ainda mais as incômodas reflexões internas de Drogo acerca de suas angústias, frustrações e desejos mais obscuros.
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Merece um destaque especial o último capítulo do livro, no qual Buzzati presenteia os leitores com um dos finais mais bonitos e comoventes já escritos, um desfecho que ecoa como uma elegia e cuja sensação de tristeza permeia cada palavra. Marcada pela espera, a jornada de Drogo culmina em um momento de profunda e arrebatadora melancolia, em que a percepção da finitude da vida e das oportunidades perdidas se torna tão mais insuportável e bela quanto quanto mais o leitor percebe que a história de Giovanni Drogo é a sua própria história, desperdiçada e se aproximando inexoravelmente do fim.
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Imensamente triste, para mim "O Deserto dos Tártaros" disputa com Cem Anos de Solidão, de Gabriel Garcia Márquez o lugar, em minha estante, de livro mais triste da vida, por nos levar às abismos da condição humana, explorando a solidão, a efemeridade do tempo e as expectativas não realizadas. É uma experiência literária que nos confronta com nossos próprios desassossegos e desesperanças, e nos leva a refletir sobre a brevidade e a beleza fugaz da existência. É, em resumo, e mesmo sendo uma combinação fantástica de narrativa poética com reflexões filosóficas numa atmosfera enigmática, é uma das mais assustadoras metáforas para a vida e a morte que você lerá; um livro cativante que nos marca indelevelmente os corações e nos convida - praticamente obriga - a dar um sentido e propósito a nossas vidas, antes que ela se desvaneça completamente.
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