Monalisa (Literasutra) 18/03/2015Uma carta de amor com muitos errosA contracapa de “A vida do livreiro A.J. Fikry”, da jovem norte-americana Gabrielle Zevin, me disse se tratar de “uma carta de amor para o mundo dos livros”. Antes disso vem a capa, apresentando uma versão clean e bonita para a ideia de que livros são portas ou janelas para o mundo. Acompanhando a ilustração, quase imperceptível se comparada ao título do livro ou ao nome da autora, está a citação que nos acompanha por toda a leitura: “Nenhum homem é uma ilha; Cada livro é um mundo”. Seria tudo muito poético e agradável de ler, não fosse o descaso da revisão. Já na capa os erros começam.
Que me acusem de preciosismo, perfeccionismo ou chatice – eu aceitaria calada se fossem apenas erros de digitação, mas infelizmente não são. A partir da metade do livro, a revisão parece ter sido negligenciada, e então pequenas aberrações aqui e ali começam a aparecer: confundir “mas” com “mais” é triste, muito triste. No entanto, o leitor que conseguir ignorar os erros terá acesso a uma história de leitura confortável, cujo protagonista é um sujeito um tanto cativante apesar de seu temperamento anti-social. O livro é leve, do tipo que se lê quando tudo o que se deseja é um momento agradável, sem grandes pretensões.
A citação da capa do livro é o slogan escrito numa placa desbotada, logo abaixo das palavras que indicam o nome do estabelecimento: “Island Books”. Única livraria existente em Alice Island, o comércio sobrevive amparado nos turistas que desembarcam na ilha durante as temporadas de férias. Enfurnado na casa roxa da era vitoriana, mais especificamente no escritório ao final do corredor, A. J. Fikry comanda os negócios do alto de toda a sua antissociabilidade. Viúvo antes dos 40, ele faz o tipo que não dá chance a novidades; tem gostos literários muito bem delineados – digamos até limitados – e recusa qualquer opinião que contradiga as suas. É carrancudo, teimoso, fechado. Insuportável.
Até que, é óbvio, coisas acontecem. Sua cópia raríssima de um livro de Edgar Allan Poe, o Tamerlane, é roubada. De repente, uma criança de dois anos é abandonada em sua livraria acompanhada de um bilhete. Uma troca, aparentemente injusta e certamente involuntária, de um livro estimado em mais de 400 mil dólares por uma menininha cuja especialidade é sujar as fraldas. E assim a trama segue.
Esta é uma daquelas histórias de leitura prazerosa sobre como os acasos da vida podem surpreender e mudar o curso de qualquer plano, independente do quão rígido e determinado este for. Os personagens são interessantes, mas ainda melhor é a dinâmica do mundo editorial: ainda que revelada com superficialidade (caso contrário fugiria do objetivo central), acaba chamando a atenção de quem não tem muita proximidade com a área e gostaria de imaginar como tudo acontece. Concordando com a contracapa, “A vida do livreiro A.J. Fikry” é mesmo uma carta de amor para o mundo dos livros. Uma pena não terem autocorretor para escrever a carta em português.
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