anicca 18/07/2021
Repensando paradigmas educacionais
O professor Pier se dedicou a desvelar mecanismos falidos que mantêm o modelo educacional brasileiro como um dos piores a nível mundial em uma série de três livros. Nos outros dois se dirige a pais e professores, mas neste conscientiza os alunos sobre tropeços que culminam em insatisfação nos resultados e baixo nível de aprendizagem, e os convida a despirem-se de toda a tralha que os guia à zona abissal do desconhecimento.
Ele lamenta que o "sucesso escolar" esteja vinculado apenas a notas altas, pois o objetivo primordial da educação é formar cidadãos desenvoltos, críticos e criativos, e isso depende de uma aprendizagem efetiva. Esta, por sua vez, ocorre quando agimos sobre o material estudado, reorganizando as estruturas mentais até então estabelecidas para complementá-las com as novidades. No entanto, nossa cultura fomenta ações que lesionam o comportamento e a mentalidade dos estudantes: família, escola e sociedade aplaudem o lema "estude mais para passar de ano!", o que condiciona o aluno a introjetar não a importância do aprender, mas do boletim recheado de altas notas.
E "se sair bem nas provas" não necessariamente demonstra que a matéria foi aprendida, mesmo porque a "cola" é uma ferramenta constante na sala de aula. De avaliação em avaliação, o aluno vai caminhando rumo ao ensino médio e, então, chega ao vestibular, momento em que sintetizará os conhecimentos erigidos por anos a fim de cursar uma faculdade. Contudo, diante desse desafio, vem a epifania ensurdecedora: nunca estudou para aprender, apenas para "passar"!
Segundo Pier, o que mantém as escolas brasileiras absurdamente ineficientes é o fato de serem conteudistas e fragmentárias, ofertando informações em excesso, sem conexão aparente com o restante e que mais soam como uma pilhagem obsoleta. Nisso, o aluno não tem seu interesse despertado e geralmente não entende por que estudar aquilo, e aprender está diretamente ligado a emoções ? professores descontraídos tendem a ser preferidos também por isto.
Ressalta ainda outro erro em que nosso modelo insiste: durante a aula, não se aprende, se entende. Há um ditado chinês que diz: "Quando você vir um homem com fome, não lhe deu um peixe... ensine-o a pescar", ou seja, é praticando que o aluno irá perceber qual raciocínio o levou a tal resposta e por que outros caminhos podem não satisfazer a questão. Ele conseguirá analisar e explicar como chegou ali, assumindo-se protagonista.
Para superamos essa estrutura doentia, o professor sugere algumas mudanças, a começar pelo olhar que direcionamos ao processo educativo. A aprendizagem mobiliza os esquemas mentais já estabelecidos e os redimensiona a fim de abarcar o novo conteúdo e uni-lo à estrutura geral. Assim, notas boas são consequência, não o objetivo central.
Em segundo lugar, estudar melhor é superior a estudar por muito tempo, até porque a dinâmica do cérebro não permite tamanho esforço. É como se o Robert Pattinson começasse a treinar para incorporar o Batman dois meses antes das filmagens, o que o obrigaria a malhar por horas todos os dias para compensar o perdido, e não em parcelas diárias como faria se a prudência falasse mais alto, mas é evidente que seguir com esse plano estiraria seus músculos e arrebentaria seu objetivo.
Da mesma forma funcionam os neurônios: quando sobrecarregados, entram em modo stand-by para se recuperar, por isso nos distraímos ao realizar uma atividade por tempo demais. Concentrar a atenção por 30 minutos e realizar alguma dinâmica em intervalo de outros 10, repetindo o processo, é uma tática para reter melhor as informações. Lembrando que esses valores de tempo podem ser redimensionados conforme necessidades individuais.
Leitura passiva, focar no estudo do que gostamos em detrimento daquilo em que não somos tão bons e nos esquecer de repassar o conteúdo no mesmo dia da aula são armadilhas frequentes em que caímos, justamente o contrário do que precisa ser feito. A aula por si só não promoverá aprendizados, mas abrirá caminhos para que, por conta própria, descubramos o funcionamento das coisas. E, quando dormimos à noite, o sistema límbico "reseta", jogando no lixo tudo o que considera inútil, daí a necessidade de rever.
Mas o principal ponto segue nublado, afinal... "aprender inteligência"? Pode parecer estranho à primeira vista, ao menos para aqueles que conceberem o potencial cognitivo como inato ou permanente. O professor e psicólogo Reuven Feuerstein discorda enfaticamente dessa concepção, tanto que elaborou a Teoria da Modificabilidade Cognitiva Estrutural, cujo princípio basilar é: a inteligência é plástica e, portanto, pode ser cultivada através de um ensino mediado, mesmo que o contexto do indivíduo não propicie boas condições para a aprendizagem.
Em cursos de formação de professores a ideia de que inteligência é imutável ainda persiste, o que é grave, porque o sistema é excludente e cruel por si só, sem que rótulos e concepções restritas sejam sustentadas. Como resposta a tudo isso, o professor Pier oferece alternativas viáveis para que estudantes de todos os níveis não se vejam mais presos nessa estrutura corrosiva.