Raniere 28/08/2015
CONTOS ONDE A FALTA DE CARÁTER É UMA VIRTUDE
Um marquês em busca de seu casaco (um tanto especial); uma ex-prostituta e falsa vidente; uma ladra coagida a fazer um roubo impossível; um bardo de índole duvidosa e um dom especial. Estes são alguns dos personagens que o leitor encontrará nas páginas de Príncipe de Westeros e Outras Histórias. Protagonistas vigaristas, ladrões, trapaceiros e que, algumas vezes, acabam tendo uma índole pior do que a de seus adversários.
Na introdução do livro, George R.R. Martin nos avisa para não confiarmos nas damas e cavalheiros que encontraremos pela frente. Este, acreditem, foi um excelente conselho!
Esta coletânea reúne dez contos, escritos por renomados autores, que variam de estilo: fantasia, suspense, romance, aventura, romance, entre outros. Tais contos foram distribuídos de forma aleatória, e a maioria deles é excelente. Alguns autores usaram personagens de obras anteriores nos seus contos, então a chance de você reencontrar alguém de que goste muito neste livro são bem altas.
— O primeiro conto do livro, escrito por Neil Gaiman, é Como o Marquês Recuperou seu Casaco. Utilizando o cenário da Londres de Baixo do seu romance Lugar Nenhum, Gaiman conta a história do Marquês de Carabas, que tem um casaco muito, muito bom (cheio de bolsos visíveis, escondidos, etc.) e, após o perder, faz de tudo para recuperá-lo. Apesar de nunca ter lido Lugar Nenhum, gostei bastante deste conto. Como o Marquês Recuperou seu Casaco é uma fantasia divertida, o protagonista não tem o mínimo de escrúpulos e, logo na primeira página de seu conto, Gaiman já consegue prender a atenção do leitor.
— Proveniência, segundo conto do livro, escrito por David W. Ball, é uma história que eu não dei nada por ela, durante as primeiras páginas, e que aos poucos foi me prendendo a atenção. Neste conto, conhecemos Max Wolff, um vendedor de obras de artes para colecionadores, que recebe uma correspondência falando sobre um quadro valiosíssimo que estava desaparecido desde a Segunda Guerra Mundial. A partir daí, o leitor passa a acompanhar a trajetória desta relíquia e de seus antigos proprietários, e a história, que fica mais intrigante a casa página, acaba chegando a um final totalmente inesperado.
— O terceiro conto deste livro, Qual é a sua Profissão?, de Gillian Flynn, é uma das minhas duas histórias favoritas deste livro (junto com o conto de Scott Lynch, o qual falarei mais tarde.
Neste conto, a protagonista, que eu creio que não teve o nome citado uma única vez no livro (até dei uma revisada no conto, para ter certeza), é uma prostituta que, ao invés de praticar sexo com seus clientes, os masturba. Porém, como diz a primeira frase do conto (na minha opinião, o melhor começo de contos que eu já li), ela precisa parar e passa a ser uma falsa vidente, acabando, assim, conhecendo uma cliente e se envolvendo em uma situação bem perigosa. E, sobre o enredo, eu paro de falar aqui.
"Eu não parei de bater punhetas por que não era boa nisso. Parei de bater punhetas por que era a melhor."
A autora de Garota Exemplar consegue manipular o leitor com uma competência fora do comum. Em poucas páginas, Flynn consegue provocar diversos sentimentos no leitor e, assim o tem na mão durante a história inteira. Tive várias opiniões acerca deste conto, durante a leitura (em certo momento, pensei que seria um terror clichê), e em todos os momentos eu estive errado e pensei exatamente como a autora queria.
— Um Jeito Melhor de Morrer, de Paul Cornell, é um dos piores contos do livro, na minha opinião. Cornell utiliza um personagem de várias histórias que ele escreveu, o espião Jonathan Hamilton, e a história se passa em uma realidade paralela à nossa, onde nações da Europa, no século XIX, procuram aprimorar suas habilidades de abrir e controlar dobras multidimensionais no espaço. Este conto usa a teoria do multi-universo, que diz que existem vários Universos paralelos ao nosso e, em cada um deles, existem várias versões do nosso planeta e de nós mesmos. Neste conto, os superiores de Hamilton capturam um outro Hamilton, mais jovem, de outra realidade, e pretendem colocar o velho contra o novo, para ver qual é a melhor.
A premissa do conto é excelente, mas Paul Cornell não aproveita bem o enredo e cria uma história monótona e cansativa.
— O quinto conto do livro, intitulado Um ano e Um dia na Velha Theradane e escrito por Scott Lynch, é, junto com Qual é a sua Profissão?, o melhor conto do livro. Em um livro de contos envolvendo apenas canalhas, ladrões, trapaceiros e vigaristas, era de se esperar que o autor da série Nobres Vigaristas (que, pela Editora Arqueiro, já teve três livros lançados aqui no Brasil: As Mentiras de Locke Lamora — resenha AQUI —, Mares de Sangue — resenha AQUI — e, mais recentemente, República de Ladrões) escrevesse um dos melhores contos do livro. Felizmente, ele não decepcionou.
Apesar de ser um conto, o enredo é tão extenso que é possível escrever uma bela sinopse para vocês sem soltar nenhum spoiler (eu tenho treinado bastante, falando sobre esse conto por aí.)
Em Um Ano e Um Dia na Velha Theradane, conhecemos a cidade de Theradane, onde dois magos muito poderosos, Jarrow e Ivovandas, se odeiam e batalham incessantemente. Claro, a população de Theradane não tem nada a ver com essa picuinha. E claro, a população de Theradane que sofre as consequências. Também é proibido cometer crimes e ofender os magos, sob o risco do infrator virar uma estátua de bronze (com a alma aprisionada nela) que iluminará perpetuamente a cidade.
Em Theradane, conhecemos a ladra Amarelle Parathis. Proibidos de roubar na cidade, Amarelle e sua gangue, formada por Shraplin (um autômato), Sophara Miris (uma mixologista-maga sênior, procurada por 312 crimes distintos em 18 cidades) e sua esposa Brandwin Miris (armeira, artesã, ilusionista e médica de autômatos) costumam ir para a Marca do Fogo Caído (um dragão que, ao morrer, teve a carcaça transformada em taberna e hospedagem) para jogar cartas, beber e… roubar um do outro.
Em uma dessas jogatinas, quando todos (principalmente Amarelle) estão muito bêbados, acontece um pequeno incidente, causado pela briga de Jarrow e Ivovandas. Amarelle, influenciada por uma quantidade colossal de álcool, resolve tirar satisfações com Ivovandas, responsável pelo que houve. Depois de tirar satisfações, Amarelle tem a vida poupada com uma condição: roubar uma rua! LITERALMENTE! E aí o conto começa e minha sinopse acaba.
As histórias de Scott Lynch, além de inteligentes, tem um senso de humor excelente e irônico. E não apenas as histórias e os personagens de Scott são assim: ele mesmo, na sua narrativa, é debochado, irônico e sarcástico. A qualidade de suas obras (e do conto de Theradane) são indiscutíveis.
— Em A Caravana Para Lugar Nenhum, sexto conto do livro, a autora Phyllis Eisenstein fala sobre Alaric, o Bardo, dos seus livros Born to Exile e In the Red Lord’s Reach, que tem o poder de se teletransportar para onde quiser. Neste conto, Alaric é recrutado para uma caravana no meio de um deserto onde espíritos malignos ameaçam os viajantes à noite e as miragens não são apenas comuns, mas perigosas. É complicado falar mais sobre este conto sem soltar um spoiler. Na própria descrição deste (antes de cada conto, há um texto falando sobre o autor e uma pequena sinopse), falaram apenas da viagem em si. A Caravana Para Lugar Nenhum não é um conto mediano. Dá pra divertir o leitor, mas, em algumas partes, o conto é cansativo.
— O sétimo conto do livro, Galho Envergado, de Joe R. Lansdale, é veloz e violento. Nele, Lansdale usa seus dois personagens mais famosos, Hap e Leonard, uma dupla de… assassinos de aluguel? vigilantes? Não sei bem. O que sei é: ambos são parceiros, violentos e não tem escrúpulos.
A filha da namorada de Hap, uma prostituta viciada em drogas, se meteu em uma encrenca e, por mais que Hap não goste dela, ele precisa ajudá-la. Então, resumindo: Galho Envergado é uma história com muito tiro, violência e linguagem chula. Perfeito!
— Meu primeiro contato com o universo de A Crônica do Matador do Rei, de Patrick Rothfuss, foi com o conto A Árvore Reluzente, o oitavo desta antologia, que tem Bast como protagonista.
Apesar da história não ser a melhor do livro, o personagem em si me fez colocar O Nome do Vento na frente da “fila de espera para leitura”.
O conto acontece em um dia, e é separado em três partes: manhã, tarde e noite. Nele, Bast vai até o que as crianças chamam de “árvore reluzente”, um tronco galhos secos que já perdeu toda a casca, ficando totalmente branco. Ali, as crianças pedem que ele dê uma solução para os seus problemas e, para isso, pagam Bast contando-lhe segredos das pessoas. Porém, entre seus pequenos clientes, Bast acaba recebendo um pedido de socorro.
— Já Em Cartaz, de Connie Willis, é de longe o pior conto do livro. E quando digo “o pior conto”, não quero dizer que é o “menos legal”, e sim que o conto é MUITO ruim!
Uma breve sinopse para vocês:
No futuro, uma rede de cinemas cria filmes fictícios, pois os jovens gostam mesmo de ficar nas lanchonetes paquerando (???), então, com muita alusão a filmes de sucesso, um (playboyzinho que se acha malandro) garotão quer conquistar a menininha “como num filme de cinema”.
Aaaahhh, não! Foi com muito sufoco que terminei de ler esse conto, e senti muita alegria quando ele terminou.
— O último conto do livro, O Príncipe de Westeros ou O Irmão do Rei, do (psicopata) autor George R.R. Martin, nos conta, segundo informações anotadas pelo arquimestre Guldayn, a história sobre a vida e os casamentos do príncipe Daemon (relato este que vai até o famoso evento conhecido como A Dança dos Dragões).
Neste conto, Martin segue o estilo de O Silmarillion, de J.R.R. Tolkien, fazendo um relato dos fatos. A história, de fato, é interessantíssima, mas Martin não se saiu muito bem com este tipo de narrativa, fazendo a história ficar, em alguns momentos, confusa e/ou cansativa. Uma pena!
Príncipe de Westeros e Outras Histórias é, no geral, uma excelente antalogia. Com contos em estilos variados e tendo apenas uma coisa em comum: protagonistas trapaceiros, vigaristas, canalhas. Não indico este livro apenas para os fãs de fantasia, mas sim para todos os leitores, seja lá qual o estilo de vocês. Provavelmente vocês o encontrarão nestas páginas.
site: http://www.encontrosliterarios.com.br