Vinícius 13/03/2016
MADRUGADA SANGRENTA
Este livro, desde sua sinopse, promete um desfecho tão surpreendente que deixaria até os leitores mais perspicazes embasbacados, por nunca terem pensado na real explicação. Eu posso dizer que é a mais pura verdade - e é válido lembrar que não estou sendo narcisista, me intitulando como um “leitor perspicaz”, longe disso, só estou concordando com a premissa proposta -, porque Gillian me fez dar voltas e mais voltas sem nunca arranhar a revelação que a estória contém. Além do mais, foi super convincente na abordagem dos personagens, que me pareciam tão incapazes de cometer as atrocidades que movem esta trama, o que é uma clara amostra de sua escrita afiadíssima.
As narrações são conduzidas pelos três personagens-chave, que, alternadamente, vão dando a dimensão dos fatos: Libby Day, seu irmão, Ben Day, e sua mãe, Patty Day. A divisão também é temporal, já que os pontos de vista de intercalam entre os anos de 1985 e 2009.
Na madrugada de 02 de Janeiro de 1985, a família de Libby Day (sua mãe e suas duas irmãs), que na época, tinha apenas sete anos de idade, foi brutalmente assassinada na fazenda em que viviam. O principal suspeito e, por sua vez, condenado pelo crime fora seu irmão, Ben, que àquela altura estava no auge de seus quinze anos e, de acordo com o pensamento popular, fizera toda aquela maldade como parte de um ritual satânico. A partir de então, Libby fora criada por parentes, tendo que mudar-se frequentemente. 24 anos depois, Libby, agora adulta, é uma mulher frígida, solitária e completamente sem rumo na vida. Sua personalidade, por conseguinte, é resultado dos traumas gerados pela carnificina que presenciou. As engrenagens na vida de Libby começam a girar quando ela se vê completamente sem dinheiro, já que os fundos das doações que recebera durante todos aqueles anos estão escasseando, e, como que uma luz no fim do túnel, um grupo de especialistas em crimes brutais, conhecido como Kill Club, vai a sua procura e lhe oferece recompensas financeiras para que ela investigue o massacre de sua família, afinal de contas, todo o processo de condenação de Ben fora bastante confuso, resultado de uma investigação cheia de brechas e de a única testemunha ter sido a própria Libby, que, por ser tão jovem, pode muito bem ter sido manipulada, ou tirado fatos de seu imaginário. Sem nenhuma saída para sua crise financeira, Libby aceita a proposta e, então, passa a encarar todos os “lugares escuros” de sua mente, onde esconde suas lembranças, assim como é obrigada a ficar frente a frente com seu irmão condenado e seu pai omisso, que nunca lhe dera nenhuma assistência, mesmo depois de tudo.
Desde o começo, é importantíssimo elogiar a construção de Libby Day. Ela não é nenhuma heroína, ou mulher virtuosa, mas sim, um alguém que acredita ser má, é egoísta, sem compaixão e, acima de tudo, considera que não merece nada de melhor na vida. É sempre muito interessante um ponto de vista dessa forma, que rompe os padrões de comportamento, muitas vezes, atrelados a protagonistas. Analisando bem, esse ponto positivo também se reflete, em diferentes níveis, em todos os personagens. Todos eles são imperfeitos, verossímeis, humanos.
A alternância de pontos de vista no decorrer da narrativa também aguça o interesse pela estória e trabalha muito a favor da autora, já que este artifício reforça argumentos, indica contradições nas versões sobre o crime e, principalmente, esconde o que está verdadeiramente em jogo. Este ponto, por si só, já indica que o texto é muito bem direcionado até seu ponto final.
A revelação sobre o mentor dos assassinatos, bem como os outros segredos de alguns personagens, como já disse e aqui reitero é algo completamente imprevisível, tão bem entranhado a cada capítulo que, durante o curso da leitura, é automaticamente considerado um detalhe pequeno demais para ter relevância. Isso é, sem dúvidas, algo muito engrandecedor. O único ponto que, particularmente, não me foi agradável reside na rapidez adotada durante a reta final para desenrolar todos os mistérios, o que acarretou um nível de tensão menor do que o esperado.
“Lugares Escuros” é o terceiro livro que leio de Gillian Flynn, sendo esta, para mim, uma escritora muito querida, de talento ímpar e com uma habilidade magistral de conduzir seus leitores através de suas jornadas eloquentes pelo desconhecido território que é a face sombria do ser humano.