Arthur 17/04/2017Lugares Escuros: as incertezas da memóriaA trama de Lugares Escuros traz como protagonista Libby Day, sobrevivente e testemunha de um massacre relacionado a um culto satânico do qual foram vítimas sua mãe e suas duas irmãs. Seu irmão mais velho, Ben, é acusado do crime e a declaração testemunhal de Libby corrobora os demais indícios que o apontam como responsável, sendo ele, portanto, condenado à prisão perpétua. Assim, a menina, que, na época do massacre tinha apenas sete anos, cresce sob o estigma de “a pequena órfã” ou de “a única sobrevivente do massacre da pradaria”.
Vivendo às custas de doações enviadas a uma conta bancária para seu sustento, ela chega aos 31 anos extremamente resignada. Após ser informada por seu contador de que seu dinheiro está se esgotando, Libby recebe uma proposta um tanto peculiar: ser remunerada para apresentar “novidades” e evidências acerca do massacre que dizimou sua família. A proposta é feita por Lyle, um membro do Kill Club, uma sociedade secreta formada por pessoas obcecadas por crimes famosos que se reúnem a fim de discuti-los e buscar novas informações para melhor compreender ou até mesmo tentar solucionar ou comprovar teorias acerca de tais crimes. Vendo-se em uma complicada situação financeira, acentuada pela sua restrição a desenvolver qualquer tipo de atividade profissional por mera resignação, ela acaba aceitando, mas não sem antes ponderar e até mesmo se indignar.
Revisitando seu passado, instigada pelo oportunismo de continuar lucrando com a tragédia à qual sobreviveu, a protagonista vai buscar reafirmar a culpa do irmão, por quem alimentou uma profunda mágoa durante todo esse tempo. Entretanto, sua investigação vai fazê-la questionar o próprio depoimento, devido a possibilidades que não podem ser ignoradas que despontam a partir de determinadas descobertas. Conforme o caso vai sendo reexaminado e evidências até então ocultas começam a ser reveladas, o que emerge é o fato de que a memória não só é falha, como manipulável, podendo ser, além de vaga e nebulosa, fabular.
O grande mérito da autora em Lugares Escuros é a complexidade na construção da trama, não apenas do enredo, mas também dos personagens. A partir do movimento pendular entre passado e presente, que se dá por meio de capítulos que narram os dias atuais intercalados aos que apresentam os fatos que antecederam o massacre que ocorreu na fazenda da família Day, os detalhes vão se unindo como peças de um quebra-cabeça e gradativamente a verdade começa a vir à tona. No fim, não há pontas soltas, muito menos explicações não dadas ou fatos inexplicáveis.
Tudo é narrado por uma protagonista extremamente resignada, egoísta e amargurada. Toda a empatia com a qual foi abraçada ao longo da vida contrasta com a sua personalidade nada empática. Não bastasse ser oportunista, ela é também cleptomaníaca. Libby Day é uma personagem desagradável, mesquinha, até certo ponto detestável, porém todos esses traços revelam sua humanidade: alguém com qualidades e defeitos (ainda que os defeitos se mostrem muitas vezes maiores do que as qualidades).