spoiler visualizarKeroway 28/07/2013
O reto por linhas tortas, a tragédia pela comédia (ou vice versa)
Hemingway, o enigmático veterano da primeira guerra mundial, resolveu dar ao público um enigma em forma de piada e romance. Vi muitas críticas e resenhas tratarem esta obra como uma "linda história de amor durante a guerra", ou uma forma de mostrar que o amor é maior que a guerra. Mas eu não vejo assim.
A primeira impressão falsa que Hemingway dá é a de ter a guerra apenas como um plano de fundo. No entanto, se nós nos concentrarmos em cada momento em que a guerra é abordada, veremos como o autor a trata como um evento completamente desorganisado e casual. A cada momento, perguntava-se o que estava acontecendo na linha de frente, ou então, se a guerra algum dia iria acabar. Ninguém sabia o que estava acontecendo, ninguém estava realmente apto a lutar por seu país. Nada nobre para um mundo que tinha, na época, a guerra como símbolo de honra e nobreza. Honra, aliás, é o que menos tem o nosso (anti)herói Henry, que é laureado por seus ferimentos fortes sem sequer ter tido uma participação efetiva na luta.
E quanto a Catherine Barkley? O amor de sua vida. Ela lhe foi apresentada por seu grande amigo, Rinaldi, um personagem complexo que não se importou de ser rejeitado pela mesma Cat que ganhou o coração do não tão questionador Henry. Henry, no início, não havia dado muita atenção à Catherine, mas quando se apaixonou, o fez com força: dizia ser ela a razão de sua existência, ela era tudo para ele. A própria Catherine dizia que não bastava para ela estar com ele, ela queria ser ele, pois ele era absolutamente tudo na vida dela.
Pode uma pessoa ser a completa razão da vida de outra? Nos responde o existencialismo que não. No entanto, nem mesmo os existencialistas nos deram uma mensagem tão complicada (e, aparentemente inofensiva) quanto Ernest Hemingway; nem o seco Mersault, que é O Estrangeiro de Camus, nem o atormentador Pablo Ibietta, d'O Muro de Sartre. Hemingway nos deu uma ferida menos sucinta, mas não menos singela. Não era Catherine a única razão e felicidade do nobre Henry? Sinceramente, acho que não, pois afinal, ela morre. Ele não.
Depois de parir um filho morto, com o qual Henry sequer se importa, ela sofre uma sequência de emorragias e perde a vida. E o que sobra para Frederic Henry, que dizia depender dela e ser ela sua única razão de viver? Apenas voltar para seu quarto de hotel debaixo de chuva.
Hemingway não nos deu uma história de amor, e também não nos negou a possibilidade de que existam sim estas histórias de amor; também cuspiu no rosto dos admiradores da guerra e de seus pseudo-heróis que nela lutaram. Ele nos deu um soco de realismo no estômago. E como doeu.
Disse Anthony Burgess que Hemingway "era bonito, efusivo, um guerreiro, um caçador, um pescador, um bebedor. Foi a fusão do artista sensível e original com o musculoso homem de ação que transformou Hemingway em um dos maiores mitos internacionais do século 20". Só tenho a concluir que o autor de Laranja Mecânica estava absolutamente certo. Hemingway: poderoso por fora, frágil por dentro. A raça humana, a guerra, as paixões fúteis? Também.